quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Lições de janeiro

Para Miguel, na expectativa de que volte com outras histórias.

Um par de tênis jogados na sala,
Com muito barro nas solas,
E um pouco nas laterais,
Limpa o ambiente
E mantém afastada dele
A doença da seriedade.

Meias molengas, já sem o elástico,
Combinam com os dias de chuva.
Camisas mais largas, com golas desmaiando,
E mangas por onde passariam dois braços,
São tecnicamente as mais recomendadas
Para as longas guerras de travesseiro.

Deve haver uma moratória de banhos.
Um ou outro dia cheio de afazeres
Em que se deixou de ir para o chuveiro,
Sob a justificativa bastante razoável de se ter pegado no sono
Durante a exibição do desenho animado,
Não deve ser cobrado com juros no ano seguinte.

Beijos na testa ou nas bochechas
Nos quais o contato dos lábios com a pele
Dura menos de 4 segundos
Têm grave defeito de fabricação
E precisam ser refeitos
Por direito do recebedor.

Não se deve apertar apenas uma das bochechas,
Sob pena de criar-se assimetria bochechal,
Com consequente risco de ciúmes da parte esquecida.
O aperto deve ser feito com o polegar e o indicador,
Friccionando-se levemente a pele
Em suaves movimentos circulares.

Canudinhos de refrigerante usados no cinema
Precisam ser unidos até formar um círculo,
Do contrário, o filme não sai da cabeça.
Em hipótese nenhuma se deve encomendar pizza
Sem que junto venha a Coca-Cola,
Pois isso seria o mesmo que ir para o campo sem bola.

Tardes de filmes de aventura,
Quando desacompanhadas de pipoca,
Não preenchem os requisitos mínimos
Para entrar no Registro Geral de Janeiro
E, no final das contas, nem deveriam existir:
São como um ioiô sem linha.

Abraços de despedida não têm valor legal
Nem entram para a memória histórica das férias
Se não forem acompanhados daquele cumprimento
Em que as mãos se tocam no ar, abertas,
Como fazem os jogadores de vôlei
Ao marcar um ponto que vira o jogo.

Tem início na despedida o Torneio Interestadual de Memória,
Disputado entre quem fica e quem vai.
Ganha quem conseguir memorizar até janeiro que vem,
Sem a ajuda de anotações, e com o maior número de detalhes,
O ponto da estrada onde o carro vira a curva da saudade
E some da vista de quem olha.

1 comentários:

Gabi Almeida disse...

"Não se deve apertar apenas uma das bochechas,
Sob pena de criar-se assimetria bochechal,
Com consequente risco de ciúmes da parte esquecida."

Sua cara! rs... muito bonito pai, e foi bom para curar minha dúvida de infância, sempre me perguntei porque você esmagava minhas duas bochechas... sempre pensava que podia ser uma de cada vez, pra amenizar a situação... mas você sempre apertava as duas umas cinco vezes por dia... já que sua preocupação é com o emocional da bochecha, pra não ter ciúmes e tal, está perdoado... beijos te amo!