Cortázar, o avô argentino dos blogues literários
Um dos debates que vêm apaixonando a ainda engatinhante crítica especializada em blogues literários é a origem da miscelânea de gêneros que torna alguns deles tão interessantes. Os palpites críticos podem ser divididos em dois grupos: o dos que reivindicam para a blogosfera, de modo exclusivo, a criação desse gênero e os que vêm nele um desdobramento de um gênero existente antes do advento da internet.
Tenho a respeito uma opinião de meio termo. A mistura de artigo, ensaio, crônica, conto, diário, poesia e imagens que se encontra hoje em alguns dos melhores blogues é, no meu entender, filha legítima da web e não poderia ter florescido senão com os recursos multimídia que ela coloca à disposição dos autores virtuais. Foi o que eu disse, aliás, em minhas "Teses sobre a Blogosfera", publicadas aqui.
Mas nada surge do nada. Essa mistura faz parte de uma linhagem e tem, sem dúvida, seus antepassados na literatura impressa. Um deles está em "Último Round", do argentino Julio Cortázar (1914-1984). O livro, que apareceu em português no ano passado, em bem cuidada edição da Civilização Brasileira, com tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht, é uma autêntica miscelânea blogosférica feita antes da blogosfera.
Os dois volumes em que a obra foi lançada em português enfeixam textos dos mais diversos tipos, publicados por Cortázar originalmente em 1969, quando já morava na França. Fica evidente na obra a estética do fragmentário e do descontínuo, dois dos traços típicos da blogosfera literária. Também está lá a estética da colagem, que os autores de blogues tomaram emprestada da arte moderna e popularizaram no mundo virtual.
Embora respirando o clima do movimento cultural de Maio de 68, "Último Round" não está datado. Juntando cultura popular e erudita, outro traço da blogagem inteligente, o livro tem uma novidade essencial que justifica sua publicação no Brasil 40 anos após ter surgido na Europa. É possível que, ao lê-lo, os autores de blogues em busca da árvore genealógica à qual pertencem descubram em Cortázar seu irrequieto avô argentino.
3 comentários:
Há pessoas que devem falar ou escrever, porque fazem um grande bem a quem os ouve ou lê. Obrigada.
Cortázar é avô dos Blogs? Eu gostei disso. Ao menos alguém de respeito. Se fosse o Bill Gates o avô, eu fecharia meu blog hoje mesmo. Gostei muito da visão. Colagem que retrata movimento modernista. Vai ver estamos mesmo fazendo isso.
bingo, Professor!
eu não pensaria nada igual. seu meio termo é o correto. não, não é meio termo coisíssima nenhuma. é uma terceira corrente. sua visão é genial e, sem qualquer adulação, digo que das críticas que tenho lido, ou das tentativas de se compreender essa pluralidade, a sua é a melhor.
(ah sim, este é o 'eu amo tudo isso' parte II)
e eu ri muito da possibilidade de Bill Gates ser nosso avô. imaginou, Letícia? a gente é milionária e nem sabia... hehehehe.
beijo num, beijo noutra.
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