domingo, 20 de novembro de 2016

CHAFARIZ DAS MUSAS
Notas de uma visita ao Rio

Quem fixa o olhar acima do espelho d'água
percebe de imediato o contraste entre a solidez da construção,
composta de uma base de pedras sobre a qual se eleva
um monumento em ferro fundido ao estilo vitoriano,
e a fluidez dos jatos que escorrem quase sem ruído
por entre a música, a poesia, a ciência e a arte,
materializadas nas quatro estátuas postas nas laterais,
como se o paisagista tivesse pretendido mostrar que as criações
do espírito tanto precisam da técnica quanto da leveza.
Não é menor o contraste entre a negritude do conjunto
construído e o verde das palmeiras do entorno,
dos aguapés que dentro do tanque vão se formando
e da pequena cerca viva que o circunda,
no que se torna um encontro da contenção inglesa,
responsável pelo projeto, com a exuberância brasileira.
Turva embora, a água do pequeno e raso reservatório
deixa entrever uma camada fina de areia e terra
na qual repousam alguns brincos, prendedores de cabelo,
e tampas de caneta, além de chupetas e palitos de picolé,
quase tudo parcialmente amarelado ou apodrecido.
Por força, talvez, do entusiasmo de alguns visitantes
que passaram antes pela Fontana di Trevi ou por locais similares,
a placidez do fundo sem peixes também recolhe ocasionalmente
reais brasileiros, dólares norte-americanos e marcos alemães,
entre outras moedas que foram, quem sabe, lançadas à água
junto com o que desejaram ou sonharam então seu proprietários.
Lá o modesto pecúlio descansa da obrigação capitalista
de circular até que o serviço municipal de limpeza
o recolha, já devidamente lavado dos sonhos e desejos,
que permanecerão submersos até que os evapore o sol tropical.

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