segunda-feira, 29 de março de 2010

A obra aberta da vida: uma reflexão sobre os limites do sofrimento

O noticiário da minha pequena terra natal está convivendo com uma estatística tristemente digna dos grandes centros urbanos: já se contam em mais de dez os casos de suicídio registrados ao longo dos últimos meses nas regiões urbana e rural do município. Há entre as vítimas os que se enforcaram, os que se atiraram de torres e pontes, os que ingeriram medicamentos em doses exorbitantes, entre outros. Eram homens e mulheres de diferentes raças e classes sociais. Em comum entre os casos, há o fato de as vítimas terem sido apontadas por pessoas próximas como "depressivas". Sem me aventurar na análise da depressão, tema que pertence aos especialistas, limito-me à impressão, óbvia mas honesta, de que essas pessoas, todas com menos de 40 anos, perderam, por motivos diversos, a vontade de viver.
Não creio, no entanto, que esses motivos constituam fatos que possam ser vistos de uma única maneira. Até no pior infortúnio se pode encontrar um viés, senão positivo, no mínimo menos negativo da realidade. Arriscando-me a ser visto como alguém que professa o mais ingênuo otimismo (que será sempre melhor, no final das contas, do que o pessimismo, ainda que ambos sejam exageros), penso que é preciso distinguir entre o que sofremos e o sentido que atribuímos a esse sofrimento. Esse sentido pode mudar ao longo do tempo, o que equivale a dizer que, pelo menos em certas ocasiões, com algum esforço de imaginação, podemos aprender a recontar nossa história de vida para nós mesmos de um modo diferente, desde que tenhamos para isso um repertório suficientemente criativo de possibilidades. Ora, atribuir ao que se vive um sentido diferente daquele que parecia inevitável é algo que pode ser feito com uma valiosa contribuição da literatura. Na plurissignificação das grandes obras, sempre abertas a novas interpretações de suas metáforas e de seu sentido profundo, está um exemplo para a vida. E, aventuro-me a perguntar, por que a vida não deveria imitar a arte nesse particular?
Não digo que a vivência da literatura poderia, por si só, evitar os males da depressão e suas drásticas consequências. Não chego a tanto em meu otimismo. Olhando, no entanto, para o tanto que eu próprio sofri e para o quanto a literatura me foi útil como forma de me ajudar a relativizar o meu sofrer e situá-lo no quadro mais amplo da minha vida, não vejo como dar razão àqueles que duvidam, a priori, da possibilidade de alguns aspectos da vida poderem melhorar a partir da sabedoria contida nas grandes obras. Se uma única hora for menos dolorosa ou pesada porque alguém, em sofrimento dilacerante, descobriu num livro um vislumbre de que é possível viver com mais prazer e leveza, a literatura estará justificada como um apoio valioso para os que precisam aprender a reler a própria vida e lhe dar um sentido novo.

1 comentários:

Françoise disse...

Gosto de ler e aprecio seus textos pela leveza e otimismo.
Abraços,
Françoise