sábado, 10 de outubro de 2009

Oficina literária: elogio da igualdade

Há uma maneira eficaz de estragar um bom poema ou uma história promissora no momento em que estão nascendo. Ela consiste em tentar escrever a partir do Ponto de Vista do Olho de Deus, com a pretensão de lançar um olhar do alto, capaz de abarcar numa só vista o bem e o mal, o ontem e o hoje, o começo e o fim. Há um paradoxo na literatura: quanto mais assumidamente humano é o olhar que o autor lança ao mundo, maior a amplitude de visão que sua obra conseguirá; e quanto mais pretensão ele tiver de possuir uma ideologia ou ideia que julgue capaz de elevá-lo a uma condição superior ao restante da humanidade, mais limitado se encontrará.
A grandeza da literatura não será nunca a dos autores que conseguem ver além do mundo, pois um olhar além do mundo já não seria humano, assim como não seria compreendido. Essa grandeza é a dos homens e mulheres que se assumem transitórios, contingentes e iguais a todos os demais homens e mulheres em sua condição de habitantes do tempo e do espaço. Pertence a esses entusiastas da igualdade o dom de se fazerem entender e amar por seus leitores e, por força desse amor, deixar seus passos marcados na estrada da história. E aqui me lembro do velho e cada vez mais atual Walt Whitman (na imagem acima), o arauto da Democracia e da fraternidade, que numa de suas Folhas de Relva profetizou:
Alguém só pode compreender os seus iguais
ou os seus semelhantes,
Como as almas apenas compreendem as almas.

4 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Antes de saber de quem era a imagem, lembrei do whitman. Eu sempre brinco quando venho aqui. Mas poucas vezes falei sério como agora. É que ocorre uma coisa interessante quando leio os teus textos, Márcio. Parece que o que leio, é diferente do que dizes. Ou você diz uma coisa e é diferente do que diz...Ou inversamente, não sei...(mas sou confusa).
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Eu peço licença para te dizer o que sinto e penso. É assim - somos diferentes. Todos diferentes um do outro e porque somos diferentes é que somos iguais - Únicos em nossa diferença. (paradoxal, mas é isto - igualmente únicos)
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Ora, se eu estabelecer um único ângulo ou um raio do olhar ou se eu limitar este olhar, ai sim é que não admitirei que o outro seja diferente de mim, veja diferente de mim, sinta e escreva diferentemente dos demais.
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Em minha 'cosmovisão' a maneira mais eficaz de estragar um bom poema ou uma história promissora, é delimitar ou limitar o que o outro deveria escrever em sua temática ou amplidão sejam escritos acerca da humanidade ou divindade.
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Mas este é o meu modesto entendimento. Então penso que se assim fosse, não haveriam livros ficcionais, não haveria aquilo que nossa imaginação supõe e tão apenas e somente as experiências do chão...Seríamos bem pragmáticos, é verdade... Mas, por outro lado seria atribuir que só haveriam pragmáticos no mundo e isto não é verdade.

Para mim, isto sim, seria desigual e não 'elogio à igualdade'
Mas, na minha condição de ser - apenas um ser humano - e por saber que nesta matéria, tu, sabes mais e porque esta é uma oficina literária, direi que vou refletir na pertinência do que diz este texto e talvez reler meu livreto do Whitman ou ainda reler-me e novamente tentar perceber se o equívoco não está no que eu compreendi e assim eu é que estaria equivocada.
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Sempre me fazes pensar e eu vou ser expulsa dessas aulas, né não?
Beijos, Márcio.
Eu sempre aprendo e saio daqui pensando.
Ah! Teu fôlego me espanta.
Você tem a pontuação mais precisa que eu já li. Você respira junto com o leitor ou eu é que respiro junto e gosto disto. Lendo você eu aprendo a pontuar e respirar melhor.

Sueli Maia (Mai) disse...

Nisto - respirar bem, quero ser igual a ti.

Abraços e bom feriado.

Letícia disse...

Sempre vejo seus textos como lição de casa. Por isso os leio sempre.

João A. Quadrado disse...

Ao vasculhar na palavra, ao rascunhar as letras do mundo, o próprio homem se vai desapegando do mundo, que no silêncio o aprisiona e, no silêncio que antecede a palavra, se constrói, com habilidade, aquilo que temos pela literatura, pela poesia intima da vida, da harmonia que se pode encontrar num caos, e da caótica procura de si, o homem se faz literatura voraz.
O homem que se pretende surpreender com a presença dum ente divino, em forma de inspiração, procura em vão, num escuro intimo vazio, e nesse mesmo vazio assumirá o lugar da palavra, sim... o homem munido da palavra é a essência desse Deus, que se materializa e ao mesmo tempo se omite, porque transcende toda a vontade... é o alegre cansaço da escrita que embaraça as vontades e as pobrezas do homem; o seu olhar sobre o mundo é apenas um pormenor, até porque não é o mundo que existe para que seja visto, mas antes a vida que só existe porque existem olhos, mãos e um tambor do peito para a "cantarem". Esse o dom, esse o desperdiçio que os entes divinos nos oferendam... hajam corações para o escutar e olhos para o perscrutar.

Um imenso e transtlântico abraço

Leonardo B.
Bizarril