Há uma maneira eficaz de estragar um bom poema ou uma história promissora no momento em que estão nascendo. Ela consiste em tentar escrever a partir do Ponto de Vista do Olho de Deus, com a pretensão de lançar um olhar do alto, capaz de abarcar numa só vista o bem e o mal, o ontem e o hoje, o começo e o fim. Há um paradoxo na literatura: quanto mais assumidamente humano é o olhar que o autor lança ao mundo, maior a amplitude de visão que sua obra conseguirá; e quanto mais pretensão ele tiver de possuir uma ideologia ou ideia que julgue capaz de elevá-lo a uma condição superior ao restante da humanidade, mais limitado se encontrará.
A grandeza da literatura não será nunca a dos autores que conseguem ver além do mundo, pois um olhar além do mundo já não seria humano, assim como não seria compreendido. Essa grandeza é a dos homens e mulheres que se assumem transitórios, contingentes e iguais a todos os demais homens e mulheres em sua condição de habitantes do tempo e do espaço. Pertence a esses entusiastas da igualdade o dom de se fazerem entender e amar por seus leitores e, por força desse amor, deixar seus passos marcados na estrada da história. E aqui me lembro do velho e cada vez mais atual Walt Whitman (na imagem acima), o arauto da Democracia e da fraternidade, que numa de suas Folhas de Relva profetizou:
Alguém só pode compreender os seus iguaisou os seus semelhantes,Como as almas apenas compreendem as almas.
4 comentários:
Antes de saber de quem era a imagem, lembrei do whitman. Eu sempre brinco quando venho aqui. Mas poucas vezes falei sério como agora. É que ocorre uma coisa interessante quando leio os teus textos, Márcio. Parece que o que leio, é diferente do que dizes. Ou você diz uma coisa e é diferente do que diz...Ou inversamente, não sei...(mas sou confusa).
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Eu peço licença para te dizer o que sinto e penso. É assim - somos diferentes. Todos diferentes um do outro e porque somos diferentes é que somos iguais - Únicos em nossa diferença. (paradoxal, mas é isto - igualmente únicos)
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Ora, se eu estabelecer um único ângulo ou um raio do olhar ou se eu limitar este olhar, ai sim é que não admitirei que o outro seja diferente de mim, veja diferente de mim, sinta e escreva diferentemente dos demais.
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Em minha 'cosmovisão' a maneira mais eficaz de estragar um bom poema ou uma história promissora, é delimitar ou limitar o que o outro deveria escrever em sua temática ou amplidão sejam escritos acerca da humanidade ou divindade.
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Mas este é o meu modesto entendimento. Então penso que se assim fosse, não haveriam livros ficcionais, não haveria aquilo que nossa imaginação supõe e tão apenas e somente as experiências do chão...Seríamos bem pragmáticos, é verdade... Mas, por outro lado seria atribuir que só haveriam pragmáticos no mundo e isto não é verdade.
Para mim, isto sim, seria desigual e não 'elogio à igualdade'
Mas, na minha condição de ser - apenas um ser humano - e por saber que nesta matéria, tu, sabes mais e porque esta é uma oficina literária, direi que vou refletir na pertinência do que diz este texto e talvez reler meu livreto do Whitman ou ainda reler-me e novamente tentar perceber se o equívoco não está no que eu compreendi e assim eu é que estaria equivocada.
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Sempre me fazes pensar e eu vou ser expulsa dessas aulas, né não?
Beijos, Márcio.
Eu sempre aprendo e saio daqui pensando.
Ah! Teu fôlego me espanta.
Você tem a pontuação mais precisa que eu já li. Você respira junto com o leitor ou eu é que respiro junto e gosto disto. Lendo você eu aprendo a pontuar e respirar melhor.
Nisto - respirar bem, quero ser igual a ti.
Abraços e bom feriado.
Sempre vejo seus textos como lição de casa. Por isso os leio sempre.
Ao vasculhar na palavra, ao rascunhar as letras do mundo, o próprio homem se vai desapegando do mundo, que no silêncio o aprisiona e, no silêncio que antecede a palavra, se constrói, com habilidade, aquilo que temos pela literatura, pela poesia intima da vida, da harmonia que se pode encontrar num caos, e da caótica procura de si, o homem se faz literatura voraz.
O homem que se pretende surpreender com a presença dum ente divino, em forma de inspiração, procura em vão, num escuro intimo vazio, e nesse mesmo vazio assumirá o lugar da palavra, sim... o homem munido da palavra é a essência desse Deus, que se materializa e ao mesmo tempo se omite, porque transcende toda a vontade... é o alegre cansaço da escrita que embaraça as vontades e as pobrezas do homem; o seu olhar sobre o mundo é apenas um pormenor, até porque não é o mundo que existe para que seja visto, mas antes a vida que só existe porque existem olhos, mãos e um tambor do peito para a "cantarem". Esse o dom, esse o desperdiçio que os entes divinos nos oferendam... hajam corações para o escutar e olhos para o perscrutar.
Um imenso e transtlântico abraço
Leonardo B.
Bizarril
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