Um sentimento profundo de desânimo se abate sobre mim sempre que vejo, estampada em letras chamativas ou anunciada em tom eloquente, a afirmação de que um certo veículo de mídia assume seu compromisso com a verdade. O motivo do desânimo é a pobreza filosófica — talvez fosse melhor dizer "miséria filosófica" — da ideia de que a verdade é sempre algo palpável ao qual chegamos por meio de esforço e honestidade.
Essa ideia só pode ser levada a sério por quem ignore por completo as principais contribuições que o pensamento filosófico deu à reflexão sobre a verdade feita nos últimos 50 anos. Qualquer pessoa de bom senso consegue captar o pensamento central dessas contribuições: não há verdade nos fatos enquanto coisas ou acontecimentos do mundo, mas nas declarações que fazemos sobre eles, sendo "verdadeiro" e "falso", portanto, valores que atribuímos a algumas declarações a partir de critérios. O critério mais utilizado, ao qual o jornalismo filosoficamente pobre se agarra como se fosse o único, é o de correspondência à realidade. Assim, seria verdadeiro tudo aquilo que corresponde aos fatos encontrados no mundo.
Desnecessário dizer que essa ideia é redutora e demasiado simplificada, pois, embora possamos com razoável tranquilidade dizer que um conjunto de enunciados científicos corresponde aos fatos até então conhecidos sobre o DNA, já não podemos fazer o mesmo de modo tão tranquilo em relação a temas como o uso do conhecimento que temos sobre a estrutura genética do ser humano. É fácil perceber que são esses temas, mais do que enunciados científicos, que exigem uma discussão esclarecida, pois são eles que resultam em mudanças práticas na vida das pessoas. Para lidar com eles, não basta a capacidade de narrar a realidade, tão prezada pelos repórteres tradicionais, sendo necessárias também as habilidades de discutir, comparar, analisar e inferir conclusões sobre os fatos, desconfiando sempre das aparências.
Neste ponto a pobreza filosófica de parte do jornalismo contemporâneo faz seu estrago: partindo do pressuposto de que em questões polêmicas se pode atingir, no final das contas, o mesmo nível de consenso atingido nas questões de fato, esse jornalismo acaba ingenuamente investindo tempo e esforço na busca da verdade total, esquecendo-se de que o que existe, nesses casos, são verdades parciais que, confrontadas por meio de argumentos e contra-argumentos numa situação de debate racional, produzem um entendimento, sempre temporário, acerca de cada ponto de discussão.
A verdade, em grande parte dos temas que mais interessam à humanidade no mundo contemporâneo, não é produto de descoberta, mas de invenção. Ela não é algo que está à nossa espera na natureza ou no mundo cultural, como um prêmio por nossa curiosidade e nosso bom comportamento enquanto pesquisadores. Ela é algo a que chegamos por meio de construções, para as quais todos os debatedores de espírito aberto podem contribuir. Mas boa parte do jornalismo contemporâneo, por estar comprometida com a verdade total — um compromisso muito adequado, diga-se de passagem, aos totalitarismos de todos os matizes —, não vê isso. Esse jornalismo, julgando-se crítico e esclarecido, engole opiniões como se fossem fatos e, o que é pior, tenta fazer com que nós também engulamos essa ficção que reduz a verdade na tentativa de fazer com que ela caiba no espaço estreito do noticiário.
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