segunda-feira, 4 de maio de 2009

Você escreve blogues? Então cuidado com a Síndrome do Segundo


Quando a erudição vira doença
Alguns autores de monografias e artigos científicos costumam exibir uma expressão superior ao ouvir a palavra "blogosfera". Fica claro nessa expressão um sentimento de superioridade, decorrente, talvez, de eles julgarem seus textos mais relevantes do que a produção média dos blogues. De minha parte, não temo pela relevância do conteúdo dos blogues, que são livres por essência e, na sua grande maioria, não reivindicam nenhum status que não seja o de veículo de auto-expressão de seus autores.
Não posso dizer o mesmo de algumas publicações virtuais acadêmicas. Fico preocupado quando leio títulos como "A recepção do conceito de denotação do primeiro Wittgenstein no ambiente acadêmico sul-americano: um estudo à luz de memoriais de congressos universitários". Títulos como esses, que estão para as universidades como a praga está para a lavoura, costumam padecer do que chamo de Síndrome do Segundo, mal que faz com que se analisem as coisas sempre "segundo o autor X ou segundo o autor Y".
Acho que foi a esse tipo de gente que Thoreau se referiu ao escrever no seu "Walden" que hoje há mais professores de filosofia do que filósofos. A diferença entre ambos é óbvia. O filósofo autêntico — e, por extensão, o escritor autêntico — pensa a respeito das coisas ainda que ninguém tenha pensado antes. O professor de filosofia — e, por extensão, os que adotam um tom professoral em seus escritos — precisa de uma citação para justificar até o fato de achar belo o pôr do sol. Os professorais não pensam: são imbecis com PHD.
Gosto de brincar com a idéia de um juízo final entre autores. Se Deus, nesse dia, entendesse por bem perguntar a cada escritor o que seus textos fizeram de positivo para tornar a vida melhor, os autores de blogues poderiam dizer, pelo menos, que cultivaram o saudável hábito de auto-análise em diários virtuais ou buscaram a beleza ao exercitar sua veia lírica e narrativa em poemas e textos de ficção. Como a busca do conhecimento de si mesmo ou da beleza são fins em si mesmos, creio que até o mais despretensioso dos blogues estaria justificado.
Diferente é a situação dos artigos acadêmicos que padecem da Sindrome do Segundo. Eles são prova de uma doença que faz o pensamento se afastar dos assuntos para concentrar-se na forma como esses assuntos foram analisados por outrem. O autor que sofre desse mal não sabe dizer que um poema é bom: só consegue dizer como ele foi lido pelos críticos. Também não sabe pensar nada sobre nenhuma questão fundamental, como o amor e a morte, pois está ocupado em dizer, com citações feitas no padrão ABNT, o que outros pensaram dela.
Pode até ser que haja uma utilidade intelectual em deixar de lado o conceito de amor para se analisar de que modo esse conceito foi tratado à luz de diferentes correntes teóricas. Afinal, o progresso do conhecimento se faz por acréscimos pequenos que se somam para fazer a diferença. Mas esse é, em última instância, um tipo de utilidade diferente, que jamais se equiparará, em relevância para a vida, à coragem de quem, mesmo arriscando-se a errar, ousa dar uma opinião própria sem se preocupar com as notas de rodapé que a justifiquem.
Uma das boas coisas da blogosfera é que ela parece até agora, salvo raras excessões, imune à Sindrome do Segundo. Nos seus textos, ao contrário de muitos trabalhos acadêmicos virtuais, há bem mais produção autoral do que análise crítica da produção de outros. E a análise que se encontra tem a grande vantagem de ser, em boa parte das vezes, um olhar direto sobre as obras, sem os vícios da erudição excessiva. A grande maioria dos blogueiros, felizmente, prefere errar com idéias próprias a acertar com fórmulas gastas. Um viva à originalidade!

6 comentários:

Letícia disse...

Acabo de ler e, segundo Márcio Almeida Júnior, jornalista e escritor de blogue, há uma tipo de síndrome tomando conta da blogosfera. Segundo o autor, esta síndrome surge quando o autor de um blogue passa a escrever textos baseados em outros autores e apenas repete o que fora dito, como se fosse o texto um artigo científico a ser estudado no campo acadêmico. Segundo Márcio Almeida Júnior, a Síndrome do Segundo, assim denominada pelo jornalista e escritor, faz com que o blogueiro ou escritor apenas repita o que já fora dito, sem ao menos pensar por si mesmo e chegar a outras conclusões que podem formar um ser que, além de escrever, pode formar seus próprios pensamentos.

Conheço essa síndrome, Márcio. Estou lidando com ela o tempo todo e, segundo a minha opinião, de nada vale um escritor erudito se ele não pode sequer encontrar saídas de emergência, improviso e criar seus textos à luz do que aprende em suas leituras. Já chega de papagaios. Como dizia o Cazuza... "Tô cansado de tanta caretice, tanta babaquice. Desta eterna falta do que falar."

mariza lourenço disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mariza lourenço disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mariza lourenço disse...

bem, Márcio, após deletar dois comentários, que julguei fora de compasso, estou de volta. mas a culpa é sua, professor. desta vez a leitora aprendiz se sentiu bastante confusa. porque, realmente, eu não entendi, perdoe a minha santa ignorância, o que tem a ver artigos acadêmicos (e analíticos?), ainda que virtuais, com os blogues autorais. afinal, não existe espaço para tudo e todos?
e, convenhamos, ainda que eu faça parte da grande maioria que se utiliza do espaço virtual para expor meus trabalhos (que nem de longe guardam qualquer tipo de semelhança com o academicismo virtual), não posso deixar de pensar que eles são necessários sim. mesmo aqueles que, segundo você, se utilizam de uma suposta superioridade professoral ou padeçam da síndrome do segundo. ora, e se eles existem, precisamos admitir que ocupam espaços bem diferentes -- e menores -- daqueles que se utilizam os blogueiros autores (eu inclusa) para expressar sua criatividade.
não discordo, claro, da questão da busca de uma fórmula própria, ou voz própria, para exercitar a veia lírica. mas discordo frontalmente que, mesmo errando, os blogueiros autores já estejam justificados, somente pela tentativa de criar. a pensar dessa maneira, teríamos que forçosamente acatar como literatura qualquer porcaria. e batermos palmas, ainda por cima.
e eu não acho que a grande maioria dos blogueiros seja tão original a ponto de não padecer do mesmo mal dos eruditos. se, por um lado, a fogueira de vaidades esquenta mais que o purgatório, por outro, os egos descontrolados de muitos blogueiros que, por manterem um espaço gracioso e público, se julgam escritores e poetas de verdade, esquentam mais que o próprio inferno.
acho que ter voz própria é necessário e saudável, mas não creio que não tê-la, ou por outra, valer-se de autor alheio para analisar uma obra virtual, seja um mal tão grande.
o que eu percebo, e como blogueira não escapo do balaio, é que se confunde demais originalidade com transformação do que já existe. ou seja, não somos tão espantosamente originais assim.

(e agora, imitando o leão da montanha, eu saio correndo pela direita, porque depois deste comentário, certamente serei banida de seu agradável espaço... hehehe)

Márcio Almeida Júnior disse...

Mariza
Em primeiro lugar, agradeço a leitura atenta do meu texto e digo que sua manifestação me deixa feliz, na medida em que me dá a oportunidade de me explicar sobre pontos que julgo importantes. Vou fazê-lo por partes.
1 - Em meu texto não afirmei, nem sugeri, nada que permita concluir que, na minha opinião, não há lugar para artigos acadêmicos e blogues autorais na web. É evidente que existe lugar para ambos.
2 - Artigos acadêmicos e blogues foram comparados em meu texto apenas quanto ao quesito "relevância". É sob esse aspecto que uma coisa tem a ver com a outra no contexto do pensamento que expus.
3 - Existe, efetivamente, dentro e fora de universidade, uma crítica de relevância da produção acadêmica, que vem sendo feita cada vez com maior rigor. Tal crítica é de interesse público, na medida em que se empregam, na grande maioria das vezes, recursos públicos para financiar pesquisas. Mas, ainda que eles não fossem empregados, continuaria a haver a necessidade de se criticar a relevância de artigos e outras produções acadêmicas, pois a própria cientificidade de um escrito acadêmico traz embutida em si, entre várias outras, a exigência de utilidade intelectual (que faz crescer o conhecimento disponível numa determinada área, ainda que ele não tenha aplicação fora do campo teórico) ou prática (que resulta em novas possibilidades de intervenção no mundo). A realidade mostra, a propósito, que muita coisa inútil tem sido escrita e publicada sob o título produção acadêmica, o que é um descaminho do processo educacional que requer reflexão e intervenção daqueles que estão envolvidos no planejamento e organização do ensino/pesquisa em instituições acadêmicas e órgãos governamentais.
3 - Analisadas as coisas pelo ângulo da relevância, fica claro que os blogues autorais, como eu afirmei,estão justificados, sim, por sua própria natureza, na medida em que seus autores podem dizer, em última instância, que não aspiram a nada que não seja a possibilidade de auto-expressão garantida a todo cidadão. O mesmo não se dá com a produção acadêmica, que está submetida a exigências bem mais severas ditadas pela cientificidade, entre as quais, como se viu, a de serem relevantes.
4 - Do fato de os blogues autorais estarem justificados tão somente pelo fato de serem meio para a auto-expressão, sem necessidade de preencherem requisitos exigidos à produção acadêmica, não se segue — nem meu texto, acredito, permite essa deducação — que tudo o que os blogueiros escrevam seja bom. Uma coisa é a justificação da existência do meio. Outra, bem diferente, é a qualidade final do que ele produz e o nome que se dá a isso (literatura ou qualquer outro).
5 - A erudição que critiquei em meu texto foi a excessiva, que, segundo me parece, é muito mais facilmente encontrada na produção acadêmica do que em blogues, até mesmo pelo direcionamento diferente desses. A erudição em si mesma não pode ser objeto de crítica, sob pena de se incorrer em obscurantismo. Da mesma forma, é óbvio que os expedientes de citação, paráfrase e comentário, usuais na produção acadêmica e fora dela, estão plenamente justificados.
6 - O que eu quis dizer em meu texto é que os blogueiros, até o momento, parecem imunes a essa erudição excessiva que chamo de Síndrome do Segundo. Penso que isso lhes dá, incontestavelmente, uma vantagem na busca da originalidade.
7 - Concordo, no entanto, que essa vantagem é potencial. Ela não significa que os blogueiros sejam, em média, mais originais do que outros escritores, em especial os que se dedicam à produção acadêmica. Também concordo com o fato de que a originalidade da blogosfera literária não raro é menor do que supõem seus cultores, os quais, algumas vezes, dão à própria produção literária um valor que, do ponto de vista crítico, é, no mínimo, passível de discussão. No entanto, e isso de fato pode não ter ficado claro, meu viva à originalidade na blogosfera não foi um endosso da qualidade de tudo o que existe no meio virtual, pelo simples fato de existir, e sim uma constatação de perspectivas promissoras que se abrem aos blogues na medida em que eles se mantêm infensos à erudição excessiva, mal que não foi diagnosticado por mim nem constitui novidade na cultura.

Nadynne disse...

Como nós costumamos brincar lá na faculdade, diálogo acadêmico começa assim:

- Oi!
- Segundo quem?