Uma reflexão sobre a injustiça social e a minha lista de necessidades absolutamente indispensáveis
Meu espírito é cambaleante. Dos 15 aos 20 anos, andou inclinado à esquerda. Dos 20 em diante, pende de vez em quando à direita. Não gosto dessas variações. Sou aristotélico: eu amo o centro, o meio-termo, e acho que é esse o lugar que me convém.
Se uma dessas oscilações tivesse que me levar ao chão, preferiria que fosse à direita, embora não ignore que algumas pessoas desse lado tendem a querer que as coisas fiquem exatamente como estão. Não tenho nada contra aqueles que preferem repousar seus glúteos à esquerda, mas desde que li o Manifesto, seu livro de cabeceira, fiquei com a incômoda sensação de que eles começam repartindo terras e terminam pensando em socializar mulheres e escovas de dente.
Esse incômodo, que não me parece nada pequeno, pois tenho a incorrigível tendência pequeno-burguesa de não partilhar mulheres e escovas de dente, não me impede de considerar que há certas vantagens em tombar à esquerda. A principal delas é que se pode criar movimentos sociais com facilidade e, com um pouco de sorte, às expensas do dinheiro público. Fico imaginando como seria interessante fazer parte de um daqueles movimentos do tipo "M", em que se busca o atendimento de necessidades prementes de uma parcela da população. Viria a calhar, por exemplo, um MSJ (Movimento dos Sem Jatinho), no qual eu me inscreveria com prazer. Já penso até no slogan: "Se o poder emana do povo, nós, a ralé, também queremos voar".
Também me cairia bem a participação no MSAL (Movimento dos Sem Apartamento em Londres). Eu, como muitos trabalhadores vergados sob o peso do Capitalismo, fico terrivelmente deprimido nos feriados por não ter um apartamento de cobertura em Nothing Hill ou, quem sabe, uma casa de campo no Yorkshire. Ah, meus bons amigos, não ter uma casa nessa bela e verde região da Inglaterra é uma tremenda injustiça social contra a minha proletária pessoa.
Igualmente injusto, aliás injustíssimo, é o fato de eu não possuir um iate com suítes, discoteca, sala de jogos e outros adereços indispensáveis para fazer cruzeiros no Mediterrâneo na companhia dos amigos. Ali, na quietude do mar, eu iria cumprir o sacrifício de saborear o vinho da França e da Itália (aqueles cujas garrafas chegam ao nosso país pela bagatela de R$900,00 a unidade). Aproveitando a ocasião, eu faria minuciosas observações antropológicas sobre os biquinis e maiôs das senhoras e senhoritas que se doiram ao sol na ilha de Capri, o que, afinal, não deixaria de ser um enorme sacrifício em nome do espírito científico.
Pensando bem, talvez eu deva rever meus conceitos ideológicos. É possível que seja hora de tombar à esquerda e desfraldar a bandeira dessas necessidades indispensáveis a mim e a tantos outros cidadãos e cidadãs do nosso querido e imenso Brasil varonil. E que nenhum desmancha-prazeres venha me dizer que eu não trabalhei nem recebi de modo legítimo recursos para comprar jatinhos, casas de campo no Yorkshire ou iates. Esse negócio de ver no trabalho a condição indispensável para adquirir bens é parte do discurso ultrapassado da direita. Isso não cola para quem caminha nas alamedas floridas dos movimentos esquerdistas. Vamos, pois, marchar à esquerda, companheiros de proletariado, e esperemos o dia glorioso de receber no rosto o sol ensolarado dos benefícios.
1 comentários:
Marcio: que esse dia chegar...espero ter forças pra saborear cada momento !!! Esperança...esperar...opostos?
Penso muito nisso que vc colocou no seu texto...nos momentos em que vendo uma aula por um preço muito aquem do justo...Qta injustiça...vc merece o seu iate...cetamente!
abraço e obrigada pelo carinho de sempre.
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