segunda-feira, 25 de maio de 2009

Retrato do leitor quando bêbado

Degustando palavras
Há uma palavra
Que empunha uma espada
Pode trespassar um homem armado
Lança as suas sílabas de farpa
E fica-se, calada.
Emily Dinckinson
(Tradução:Aíla de Oliveira Gomes)

Tenho uma ponta de inveja das pessoas que passeiam os olhos por obras de literatura como se percorressem um catálogo de produtos em oferta no shopping center. Elas podem fechar os livros e ir cuidar da vida quando bem entenderem, deixando na mente apenas o que lhes convém. Eu sou simplório demais para ter essa capacidade. Não consigo me livrar das obras que leio. Muito tempo depois de as páginas terem sido fechadas, as palavras continuam ecoando em mim. Algumas ficam murmurando baixinho em algum canto da mente. Outras parecem usar megafones para me manter alerta.
A literatura me tira a sobriedade: às vezes me aquieta, outras vezes me torna eufórico, mas nunca me deixa indiferente. Saio da leitura diferente de quando entrei. E nunca sei como vou sair. Não foram poucos os sustos que tomei em mais de 30 anos de convivência passional com as palavras. O que era interesse virou paixão aguda. Já não convivo com as obras. Eu as padeço nos poros da pele, transpiro com elas o suor que vem de caricias e murros escondidos nas frases. As palavras invertem a lógica e me fazem acreditar, contra a minha vontade, que o mais profundamente real em mim aflora diante da ficção e da poesia.
Admiro os que conseguem tecer sobre a literatura um discurso distanciado. Meus distanciamentos têm vôo curto. Não se prestam ao gosto acadêmico pelas dissecações de substantivos e verbos. Não sou capaz dessas sutilezas: eu me apego de modo sentimental às palavras vivas. Nem sequer concebo um discurso que vá além do que a literatura me faz sentir. A limitação virou vício. Já não quero senão a embriaguez da literatura. Ela acostumou meu coração aos excessos. Não desejo o cálice e sim o barril de emoções contido em cada linha. Hoje sofro as ressacas de palavras do mesmo modo como suporto os percalços da vida: sem anestésicos.

3 comentários:

SÉRGIO SENA disse...

Meu amigo Marcio Almeida Junior
se assim ja posso considerar

Na literatura busquei a finco o elixir da vida, a palavra "amigo", se tornou uma raridade.
Encontrei a existencia de um viver atraves das escritas, onde passei a usar a pena da vida e a tinta do coração.

no Livro LOBO SOLITARIO, que se nasce como meu filho caçulinha, levo a literatura uma mensagem amiga, para alimentar corações solitarios marcados pela dura e cruel realidade da vida.
Um recomeço de um viver
Uma nova vida a surgir
E novos amigos a conquistar

Obrigado pelo apoio

Sérgio Sena

silvana tavano disse...

Caro Márcio,
os meus óculos de leitura devem ter um grau bem próximo das lentes dos seus, rs. Como você, busco a leitura que de algum jeito transforma: a palavra que emociona porque toca em vários sentidos e também desperta novos sentidos; a forma inesperada que revigora o conteúdo com simplicidade -- deixo os textos "cerebrinos" pra quem tem mais prazer em discutir do que em curtir literatura.

um abraço,
Silvana

Lia Noronha disse...

Marcio: vc com sua sensibilidade enorme...consegue sentir a Literatura na pele...e até o seu sabor na boca...parabéns!!!
Abraços carinhosos da amiga que te admira muito.