quinta-feira, 7 de maio de 2009

Pilulas Pensantes: quem tem medo dos novos autores?

Do provincianismo nosso de cada dia, livrai-nos Senhor
A maior parte de nós, apesar da ampla propaganda que se faz em torno das novidades literárias, dedica quase todo o tempo ao que já conhece. Na literatura e na cultura, tendemos apenas ao estabelecido. Mais de oitenta anos depois do apelo ao novo feito pelo Modernismo, ainda é à custa de esforço que abrimos os olhos ao desconhecido. Não admira que demoremos tanto a valorizar os novos talentos ou os antigos que remaram contra a maré.
Nosso atraso é crônico e vem de longe. Foi preciso que críticos e tradutores ligados ao Concretismo, nos anos 50 e 60 do século passado, nos mostrassem a riqueza de um Sousândrade, um Kilkerri, um Lewis Carroll, um Cummings, uma Emily Dickinson, um Arnaut Daniel, um Maiakóvsky e tantos outros que já haviam passado pela terra há décadas ou séculos sem que recebessem, entre nós, brasileiros, o devido valor.
O "nós" acima dirige-se aos professores, pesquisadores, críticos, editores e leitores esclarecidos dos quais é razoável esperar que saibam, pelo menos, distinguir o novo que sobressai contra o pano de fundo do comum. Mas quantos de nós percebem, por exemplo, a novidade entre poetas e contistas da blogosfera? Quanto tempo terá se passado até que tenhamos dado aos bons autores virtuais o reconhecimento devido?
Tinha razão Fernando Pessoa: navegar é preciso. Mas aqui, do outro lado do oceano, nós nos demoramos nos portos seguros do convencional. Falamos em içar velas e percorrer mares nunca dantes navegados em busca de continentes ainda não explorados. Muitas vezes, entretanto, não temos sequer a disposição de sair da beira das águas conhecidas de nossas piscinas e nos acostumamos a considerar como horizonte o muro que delimita nosso quintal.

3 comentários:

Anônimo disse...

Márcio,

Acho sua observação muito pertinente, porém a solução para esse desconhecimento talvez esteja longe de ser encontrada. Segundo seu post, é grande o número de 'pessoas esclarecidas' que não sabem "distinguir o novo que sobressai contra o pano de fundo do comum"; sendo assim, o que dizer então dos 'desprovidos de cultura'?
A leitura hoje em dia, está vinculada à modismos editoriais. É mais fácil encontrar alguém que tenha ou que já leu um desses livros tipo 'esparadrapo de emoções'( estes são encontrados até em supermercados), do que alguém que possua livros ou tenha algum conhecimento sobre esses autores que você citou.
É fato que a literatura mundial possui uma infinidade de nomes de relevância que passam despercebidos pela maioria das pessoas.
Eu, sinceramente, só tomei conhecimento de algumas obras e autores depois que entrei no espaço virtual.
Márcio, você como professor de Literatura, bem sabe que esse cenário está muito longe de ser transformado. 'Navegar é preciso', mesmo que seja em sonhos.

mariza lourenço disse...

Professor, desta vez minha concordância é integral. infelizmente, a questão do reconhecimento tardio, além de histórica e crônica, reflete de maneira clara o quanto nos acomodamos àquilo que nos chega 'mastigado'. se exercitássemos nosso espírito aventureiro e investigativo com seriedade e não como mera distração, talvez a nossa capacidade de acolher o novo e transgressor e belo, fosse maior.

bem, do que foi feito e, especialmente, do que não foi, podemos apenas nos lamentar. no entanto, podemos abrir os olhos, sobretudo os olhos do interesse. descortinar horizontes, principalmente. afinal, desbravar mares é coisa de quem não tem medo, é coisa de quem ousa.

e isso se aplica perfeitamente à blogosfera. sairmos de nossos quintais, de nossas salas de estar, sempre prontas para o chá das cinco, e nos aventurar pelos quintais distantes e salas onde não se servem chás, mas literatura de boa qualidade.

às vezes, em minhas solitárias navegações, me deparo com portas abertas e salas plenas de uma só pessoa, que, silenciosamente, costura tramas belíssimas. a essas pessoas costumo prestar meus mais profundos respeitos e um olhar desejoso de que nunca seja tarde para que muitos as descubram.

e a Liene disse tudo. mesmo porque ela é uma das pessoas, bordadeira de belas palavras, a qual me referi acima.

abraço.

CESAR CRUZ disse...

Muito bem observado, Márcio. Arrisco dizer que, o que mais contribui para esta falta de atenção dada aos escritores da blogosfera, é o fato de que, por aqui, nos blogues da vida, haver muito lixo, muita coisa escrita sem o menor cuidado, muito blogue absolutamente desorganizado, em que o escritor não se dá nem ao trabalho de usar um corretor ortográfico para não escrever assunto com um esse só, e por aí vai...
Então, no meio desta panacéia, desta cortina de fumaça, muito bons autores se perdem, acabando por não conseguir submergir desta lama, deste balde de caranguejos, e mostrar seus devidos diferenciais de qualidade. É o fenômeno da multidão, que mistura de tudo e onde é difícil se diferenciar o indivíduo.

Saudações
Cesar Cruz