Um balé na tarde de domingo
Caminhando de volta para casa, passei cinco minutos olhando uma sacola plástica que subia e descia ao sabor do vento. Como se dançasse, ela deu graciosos rodopios à minha frente antes de ir repousar no outro lado da rua, onde ficou à espera de outra aragem. Ver graça numa sacola ordinária que ondula na tarde de domingo tem algo a ver com a poesia, cuja função é a de nos fazer enxergar nas coisas aquilo que não está nelas e que, não obstante, faz parte de sua essência.
É por isso que considero a poesia fundamental. Se ela falta, a sacola é só um pedaço de plástico que o vento joga de um canto para o outro até que venha o serviço de limpeza urbana e a recolha do chão. Mas, se a poesia está presente, essa agitação toma ares de balé, e há uma delicada coreografia no ar, como se o vento, ao tirar para dançar aquela insignificante porção de matéria plástica destinada ao lixo, revelasse ao mundo a bailarina que estava escondida dentro dela.
Tenho um amor incontido pelas insignificâncias. Elas são os instrumentos de precisão com que meço as profundezas do meu peito. Quando olho sacolas plásticas voando ao vento e vejo apenas sacolas plásticas voando ao vento, ou quando paro de ver figuras nas nuvens, sei que há algo de errado. Considero isso um sinal para que eu me volte com mais fervor à poesia, que me ensina a ver nas pequenas coisas o que não está nelas e que, no entanto, é a razão de ser de sua beleza. Poesia é, afinal, uma inutilidade imprescindível.
4 comentários:
Tô com vc e não abro nem pro trem, haha!
Poesia: inútil imprescindível!
Abraços
Nas coisas mais simples...significados imensos...esse é o caminho da poesia...percorrer estradas desprezadas pelos que buscam caminhos mais fáceis.
Abraços mil!!!
"Poesia é, afinal, uma inutilidade imprescindível."
Belíssima construção. Fez-me lembrar Manoel de Barros.
Lindo, simplemente lindo!
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