domingo, 8 de março de 2009

A filosofia das folhas secas


Um manifesto antecipado de Outono

No caminho até o trabalho, vi hoje algumas folhas inclinadas a amarelecer antes do prazo. Estavam no jardim da praça como arautos do Outono, que chegará oficialmente no próximo dia 20. Esse período do ano me faz pensar. Mas não foi sempre assim. Foi preciso que os meus cabelos começassem a embranquecer, já na metade do percurso entre os 30 e os 40, para que eu enfim compreendesse a boa nova do Outono.
Na infância, fui um adorador do Verão. Dias quentes para nadar e andar de bicicleta e céu azul para empinar pipas e subir em árvores eram os elementos da minha liturgia. Na adolescência, quando me floresceram as primeiras paixões, descobri a Primavera. E em todo esse tempo mantive-me em paz com o Inverno, que para mim sempre foi um convite ao recolhimento.
Do Outono, porém, eu nada sabia. Tinha apenas a vaga impressão de que ele, ao contrário das outras estações, não me trazia nenhuma mensagem. A culpa por essa indiferença não foi só minha. Há todo um discurso enaltecendo o romantismo da Primavera, a explosão de beleza e sensualidade do Verão e a elegância do Inverno. Para o Outono, lamentavelmente, parece não haver defensores tão entusiasmados.
Não faltará, eu sei, quem se disponha a dizer que o meu lamento não tem razão de ser e que o Outono, afinal, não tem aqui, no lado de baixo do Equador, a mesma beleza que tem no de cima. E existe até quem não veja nele mais do que um amontoado de dias de passagem, uma espécie de transição entre o Verão e o Inverno, comprimida entre 20 de março e 20 de junho.
Que me perdoem os devotos das outras estações, mas o Outono, para mim, é fundamental. Insisto na tese de que ele tem, sim, personalidade definida. Chego a pensar que o toque do Outono está não só nas árvores, mas também nas pessoas. Quem ignora, por exemplo, que algumas mulheres estão muito melhor aos 32, 42 ou 52 anos do que estavam nos seus primaveris 22? E quem não sabe que é só no Outono da vida, depois dos arroubos do Verão e dos sonhos da Primavera, que os homens, em geral tão imaturos, adquirem a maturidade necessária para entender um pouco a si mesmos e aos outros?
Desde que aprendi a conhecê-lo, o Outono me cativa. E é tão cativante, que já tive a idéia de fundar um Clube dos Apreciadores do Outono, instituição sem fins lucrativos, sem sede, hierarquia ou conta bancária. Sua única finalidade seria difundir anualmente, entre março e junho, o quanto é importante o Estado de Espírito do Outono, sem o qual, acredito, ninguém será plenamente feliz. Afinal, o Outono, como os primeiros cabelos brancos, é o aviso de que tudo o que é vivo caminha naturalmente para a maturidade e o perecimento, o que nos faz pensar na necessidade de viver bem os dias de todas as estações.
Para se tornar apóstolo dessa evangelização outonal, ninguém precisaria assinar fichas de filiação ou cumprir formalidades. Bastaria ter a capacidade de olhar o tom entre avermelhado e amarelecido das árvores e entendê-lo como parte do sentido profundo da vida na Terra, essa nossa vida que aproveita as folhas amarelas levadas pelo vento para fazer com elas um tapete colorido no chão. É esse tapete que torna mais belo o caminho dos passantes e depois se transforma no adubo que vai fertilizar o solo para que nasçam outras árvores. Sim, o Outono é belo. Só lhe faltam seguidores. Uni-vos, homens e mulheres de Outono.

4 comentários:

Anônimo disse...

Márcio,
As quatro estações, com suas características peculiares,nos remetem a momentos únicos de contemplação. E, você consegue, com o olhar poético, captar e interpretar cada detalhe das estações.
Lembro-me do "Evangelho segundo as flores" e tantos outros textos em que você reverencia as singularidades da natureza.
Continue...

Sueli Maia (Mai) disse...

Lindo isto.

E calo-me.
'Introspecta', calo-me.
Simplesmente, sinto.
...

mariza lourenço disse...

eu sou 'outonal' desde que nasci, em maio de um ano qualquer.
acho que passei e passo a maior parte da vida apreciando as folhas que caem, a colheita do fruto que amadureceu.
bela reflexão, meu amigo.

Anônimo disse...

2012
Muitos outonos se passaram...
Hoje descobri esse olhar em você.Não conheço nada de você, mas conheço essa sensação.Outono...Passagem...Morte...Vida!Junto-me à vocês,amantes do outono!