sábado, 21 de fevereiro de 2009

Sobre loucuras felizes e normalidades agressivas


Reflexões momescas
A imagem deste carnaval que escolhi guardar é a de um bloco formado por pacientes do serviço municipal de psiquiatria. Eles saíram às ruas na tarde de quarta-feira, antes do carnaval, que costuma ser marcado aqui, como em outros lugares, por um grande aumento do número de crimes registrados pela polícia.
As fotografias divulgadas pela imprensa mostram que não havia sombra de sofrimento físico ou mental no rosto dos integrantes do bloco. Nenhum deles, que alguns chamam de loucos (qual é mesmo o limite que separa a loucura da sanidade?), causou qualquer incidente nas ruas. Todos estavam felizes. Só isso.
Há uma ironia no fato de os ditos loucos brincarem o carnaval da forma como se espera que ele deva ser brincado por pessoas normais, enquanto muitos dos que se consideram sadios entram para a crônica policial em razão de um comportamento que causa danos a si e aos outros e que, por isso, não deixa de ser uma espécie de loucura.

3 comentários:

mariza lourenço disse...

desde que o carnaval deixou de cumprir seu papel de festa, de manifestação cultural de um povo, para se transformar num evento comercial de venda e compra e escambo de corpos e sexo, as pessoas que 'curtem' a folia de momo, e aqui não há como não generalizar, enlouquecem. soltam seus demônios em quatro dias.

os pacientes de seu texto, ao contrário, manifestam genuinamente sua alegria interior, porque, talvez, para eles, a necessidade de se usar uma festa como desculpa para libertar feras interiores, não exista. é a festa pelo que ela é, ou deveria ser.

por aqui, prefiro estar em casa, mexendo as minhas panelas e olhando o céu, que, para a minha sorte, está escandalosamente bonito.

Sueli Maia (Mai) disse...

Vou sentar no meu banquinho e só sairei daqui após escrever o que penso sobre esse tema.

Tenho uma relação visceral de indignação com a exclusão social dos portadores de sofrimento psíquico - (ditos 'loucos').
Trabalho pela inserção deles.

Não irei considerar os aspectos políticos e os interesses que atravessam as diversas instâncias de 'dominação', 'poder' e 'mercantilismo' no atendimento aos acometidos por transtornos psiquiátricos severos.

E se a história da loucura é um escárnio, a perpetuação do asilamento como única instância de cuidado, esse equívico brutal da sociedade, só começou a ser discutido em meados da década 90.

Da gênese do confinamento na idade clássica aos novos modelos de atendimento e cuidado a essas pessoas, guerras, genocídios, e crimes absurdos, barbarizaram o mundo em carnavais dantescos o ano inteiro, ano após ano, enquanto os loucos estavam asilados.

Enquanto essas pessoas permaneciam excluidas e a sociedade 'aliviada' da culpa histórica pela segregação e 'lobotomia de seres humanos, loucuras 'oficiais' eram cometidas, na 'cara' do mundo.

Existe sim, Márcio, muito sofrimento psíquico acometendo os que elidem e inclusive,seus familiares. Quando ocorrem os surtos severos, é de doer em qualquer ser humano que os assite.
Famílias sofrem e muito. E a alucinação é pavorosa. Mas os hospitais psiquiátricos são apenas uma das instâncias na rede de assistência. Felizmente, hoje já não ocorrem tantas arbitrariedades.

Apesar dos avanços e feliz por perceber queem muitos lugares os processos de inclusão se dá de forma tranquila, ainda assistimos regressos descontinuidades, rupturas de novos e eficazes modelos para benefício dos mesmos...

Agora chegando o período
pré-carnavalesco, numa espécie de bloco 'maluco beleza' eles são expostos como bônus da festa. Talvez o carnaval seja a única comemoração em que eles são inseridos como IGUAIS em loucura e lucidez. Mesmo assim, desfilam como se fossem
'animais adestrados' e no riso que os margeia, sempre, novamente o escárnio social intolerante, osaponta como 'diferentes'.

Surpreendentemente para alguns, mas não estranhamente para mim,e para os mais conscientes do problema e do que envolve, os 'loucos' passam a ser vistos como os normóides mais normais de todos os foliões da avenida.

Eu peço desculpas a ti e ao leitor desse blog e percebi que tanto teu texto quanto o comentário que antecedeu ao meu, estão alinhados e parecem ter a clareza sobre qual é a veradeira fronteira entre a sanidade e a loucura.

Grande abraço
com admiração
recebe mais um pedido de desculpas pelo comentário apaixonado,

Mai

Letícia disse...

Além de não gostar de carnaval, seu texto me fez lembrar que tenho um certo receio de sair em dias de muita bebedeira e descontrole. De novo, as pessoas confundem liberdade com maldade e libertinagem. Prefiro a minha casa.