segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ler vale a pena


O governo brasileiro reescreveu o ditado. Pelo menos para os que estão no sistema prisional, não se trata mais de dizer que ler vale a pena e sim de afirmar que ler literalmente encurta a pena. Isso foi possível, como informam os jornais, graças ao Programa de Remissão pela Leitura, que autoriza os presos de regime fechado das penitenciárias federais a reduzirem o tempo de pena — na proporção de 4 dias para cada obra — por meio da leitura de livros. Os detentos poderão escolher entre livros de literatura clássica, científica ou filosófica que integram uma lista previamente definida. Segundo a portaria que regulamenta o programa, publicada há três dias no Diário Oficial da União, o preso que aderir à proposta de remissão terá de 21 a 30 dias para ler o livro escolhido, e sua leitura deverá ser comprovada por uma resenha, que não pode ser copiada de nenhuma fonte e passará pelo crivo de uma comissão interna e, posteriormente, pela avaliação do juiz de execução da pena, que decidirá sobre a remissão.
Não é má ideia. A bem da verdade, ela parece ótima. Desnecessário dizer que é bom negócio do ponto de vista do encurtamento da pena: se ler uma obra por mês, o que é algo razoável, o detento encurtará 48 dias por ano. Se se mantiver no programa por 4 anos, terá encurtado mais de meio ano de pena, o que é significativo para quem tem uma pena que chega, por exemplo, a 3 anos de regime fechado. Claro que serão necessários investimentos em criação, manutenção e melhoria das bibliotecas que hoje existem no sistema prisional brasileiro, o que costuma ser fácil de planejar e difícil de executar. Entretanto, é o caso de torcer para que o programa dê certo, não só pelo encurtamento de pena dos presos em razão de uma ação concreta, mas também pelo incentivo que ele representa à leitura. Considerando esse segundo aspecto, o que mais me interessa na condição de professor de literatura, penso que ele contém elementos sobre o papel da leitura que merecem ser discutidos com algum cuidado, tendo em vista sua importância para a sociedade. 
O fascinante no programa, por esse prisma, é perceber que ele se baseia na saudável constatação de que a leitura e o estudo de obras sérias podem transformar as pessoas quando feitos com disposição de aprender. Na mais pessimista das hipóteses, alguém que lê e reflete sobre algumas das obras que constituem o vasto tesouro da literatura, da ciência e da filosofia ocidental ou oriental não sairá da leitura do mesmo modo como entrou nela. Alimento a confiança, reforçada por uma década e meia de magistério, de que se pode, sim, transformar o ser humano pela leitura e o estudo, uma vez que ambos alargam a alma e a tornam mais profunda. Quando pouco, a leitura refletida, metódica e curiosa dessas obras torna até mesmo as mais obtusas das pessoas menos superficiais e mais capazes de entender um pouco da vida. Não haveria de ser diferente com os detentos. Se a intenção da lei é a de recuperá-los e não de puni-los pura e simplesmente pelos crimes que cometeram, um programa que os incentiva a ler é um aliado fundamental.

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Ao escrever as notas acima, não pude evitar que me assaltasse uma pergunta: quais são os livros que modificaram a minha vida? Que obras e autores tiveram a capacidade de ajudar a formar a minha sensibilidade e o meu entendimento do mundo? A resposta me pareceu muito mais difícil do que eu supunha à primeira vista, na medida em que exige um considerável esforço de memória. Em busca dessa resposta, cheguei a percorrer as estantes que tenho em casa. Foi em vão que imaginei que uma lista seria rapidamente composta, pois tive dificuldades diante dos volumes, tais como a dúvida. Afinal, não é fácil determinar, num estalo do pensamento, qual foi a real influência que um livro teve sobre mim. Para tanto, seria necessário que eu me dispusesse a uma jornada de autoavaliação. Não me julgo capaz de fazê-la ao correr da pena. Prefiro, pois, ir listando aos poucos, para mim mesmo, as obras que me modificaram o pensamento e a sensibilidade e me provaram que ler tem valido a pena. Abaixo está a primeira delas. Se não me faltar engenho e arte, a lista seguirá. 

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Imagem: fotografia antiga dos bosques em torno do Lago Walden, em Massachusetts
O ponto em que Thoreau construiu sua cabana no século XIX 
está assinalado com pedras.


1- Walden ou a Vida nos Bosques (1854), do norte-americano Henry David Thoreau, é, talvez, o livro de impacto mais profundo que já me atingiu. Para escrevê-lo, o autor passou cerca de dois anos morando numa cabana que ele próprio construiu nos belos bosques que ficam próximos do Lago Walden, em  Massachusetts, que ficou mundialmente famoso em razão disso. Thoreau, um professor erudito formado em Harvard, preferiu os bosques por julgar que havia hipocrisia e injustiça demais na civilização. Misto de diário, caderno de reflexões e de observações científicas e estéticas sobre as paisagens que estão fora do homem e aquelas que se encontram dentro dele, Walden situa-se no momento histórico do Romantismo. Mas provou ser um livro para todos os tempos futuros, na medida em que antecipou o pacifismo, o movimento ecológico e e a defesa das minorias sociais. Como se não fosse o bastante, fez muito pelo movimento de defesa dos direitos civis, pela renovação da educação e pelo estabelecimento de uma nova mentalidade, mais crítica e aberta, a respeito dos caminhos e descaminhos da sociedade contemporânea. E tudo com uma linguagem mágica, que encanta pela capacidade descritiva e reflexiva.

3 comentários:

Fernanda M. Mesquita disse...

Ola Marcio. Gostei desta noticia. Uma medida inteligente que muitos paises deviam copiar. Excelente.
Uma boa semana

Sílvia Mota Lopes disse...

Deve ser mesmo interessante...injustiças há muitas infelizmente, enquanto o Homem não mudar a sua mentalidade mesquinha, fútil...interesseira...e egoísta nunca atingirá a maturidade. Infelizmente apesar de terem maturidade física que o tempo a destina a definir por fases, por etapas( um tempo limitado) a outra é muito difícil de atingir...pois só o Homem é responsável por ela...
Um abraço:)

Anônimo disse...
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