terça-feira, 2 de novembro de 2010

A dor das palavras vindas de dentro: uma reflexão sobre finados

Com uma chocante dificuldade de redigir, eu, que até agora me julgava à vontade com as palavras, ando pensando a sério em escrever por diletantismo, sem compromisso com essa entidade imperiosa a que chamamos coração. Subjugado por ela desde que comecei a rascunhar as primeiras sílabas, nunca consegui chegar à liberdade dos diletantes. Acredito, entretanto, que a experiência deve ter lá suas vantagens. A maior delas, desconfio, é a de nos poupar desta difícil tarefa de lutar com as palavras a fim de fazê-las se abrir para comportar emoções. Não bastasse a sua extrema dificuldade, essa tarefa é perigosa, pois o coração, como se sabe, não se deixa usar impunemente. Quando invocado, ele costuma revirar emoções ao seu bel prazer e impõe ao escrevedor, em troca de algumas poucas linhas, a obrigação de sentir dentro de si a dor fina da saudade, a angústia de não ter feito tudo o que se desejava fazer ou a torturante sensação de vazio deixada por uma cadeira que continuará para sempre desocupada. Sim, o dilentatismo, com o seu espírito despreocupado que troca os vendavais internos pelas brisas exteriores, parece-me bem mais seguro do que essa aventura sofrida de arrancar palavras de dentro do peito e colocá-las ainda sangrando na página em branco.

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