O período é dos dramaturgos. Tenho dedicado boa parte do meu tempo de leitura a autores do século XIX. Embora tenha restrições à literatura política, reli Um inimigo do povo, de Ibsen, um clássico que merece ser revisitado nestes tempos de busca desenfreada pela unanimidade. Mas a grande descoberta do período foi o teatro russo do século XIX, para mim, até aqui, um ilustre desconhecido. De Tchekov, do qual já conhecia contos famosos, alguns deles obras primas do gênero, li duas peças que rivalizam entre si em capacidade de retratar as sutilezas, limitações e grandezas da alma humana sem concessões e artificialismos. Tio Vânia tem um protagonista profundamente humano, um dos personagens mais fortes de toda a escola realista ocidental. Para mim, foi um impacto forte e duradouro. O Jardim das Cerejeiras, última peça escrita por Tchekhov, narrando o drama das pessoas que se vêem entre o apego às tradições da vida no campo e a transformação empresarial das propriedades reclamada pelo capitalismo, calou profundamente na minha alma de filho, neto e bisneto de fazendeiros. É um grande e profundo texto, com um sentido de tragicidade da vida humana que fez com que eu terminasse a leitura sentindo-me muito diferente de quando a iniciei. Há um belo e tocante sentido metafórico no jardim de cerejeiras que a família de protagonistas da peça tenta em vão salvar das garras de empreendedores que querem substituir a beleza pela utilidade prática. Terminado o livro, fiquei com a persistente impressão de que todos nós, afinal de contas, temos nosso jardim de cerejeiras, que pode ser um pedaço de terra, um lugar, um ambiente ou uma situação que nos esforçamos por manter em razão de sua beleza. Quando essa beleza se perde, procuramos recompô-la na mente e no coração. É como se buscássemos com isso construir um refúgio que, por estar dentro de nós, não pode mais ser perdido.
domingo, 2 de maio de 2010
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1 comentários:
Olá Márcio,
descobri seu blogger por acaso e já estou encantada com seus textos.
Até mais...
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