sábado, 8 de maio de 2010

Lucidez embriagada

Meu lado racional tem insistido em observar que eu, com o passar dos anos, passei a gostar mais do que deveria de vinho, chegando a trocar o rumor, para alguns irresistível, das noites de sexta e sábado no centro da cidade pelo silêncio da mesa de madeira que mantenho no quintal, sob a iluminação luxuosa das estrelas. Desconfio de que essa observação seja, no fundo, uma forma de dizer que tem me faltado um apego maior à sobriedade. Seja como for, a minha porção passional não se incomoda com isso e recomenda cuidado com a sobriedade nossa de cada dia. Objetiva e utilitarista, a sobriedade serve bem ao propósito de traçar estratégias, mas nunca foi capaz de me descortinar objetivos dignos de serem alcançados. Para desgosto do meu lado racional, tenho que admitir que um certo extravasar de limites e uma coragem de mergulhar na embriaguez da existência tem sido fundamental para que eu consiga enxergar o mundo e a mim mesmo com mais lucidez. Por isso não lamento um só minuto das noites e madrugadas passadas na companhia da minha taça e de algumas garrafas, em momentos nos quais a razão naufraga e o sentimento emerge soberano. Essas noites e madrugadas me dão, afinal, a oportunidade de sentir — o que é sempre melhor do que pensar — aquilo que realmente importa neste brevíssimo lapso de tempo entre o começo e o fim que chamamos de vida.

3 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sueli Maia (Mai) disse...

Um texto e tanto. Mas veja como são as coisas - eu vivo bêbada sem por uma gota de vinho na boca e a minha peleja é por gotas de razão em minha embriaguez.
Então talvez seja assim, Márcio,
mergulhando no contrário (dessa 'bipolaridade' mundial), que a lucidez embriagada nos permita contemplar e consolar o viver.

um abraço carinhoso.

P.S.

Eu sempre leio você.

Lia Noronha disse...

Márcio: o bom seu gosto literário ...transborda no seu paladar...Bom Domingo pr avc.Bjins com saudades.