segunda-feira, 15 de março de 2010

A rosa e a foice

Fui um leitor precoce de ficção e poesia. Comecei por volta dos 7 anos, depois de vencer uma dificuldade dolorosa em juntar letras e sílabas. Desde então já se passaram cerca de 30 anos de convivência cotidiana com as criações de poetas e ficcionistas. Nessas quase três décadas de leitura, arraigou-se em mim a convicção de que está irremediavelmente condenada à inutilidade a ideia de que existe alguma espécie de hierarquia entre a literatura engajada e a não engajada. Até que me provem o contrário, continuarei pensando que a mais política das ficções merece o nome de literatura sobretudo em razão de qualidades que vão além do aspecto político e que estão ligadas ao caráter estético da produção literária, qualidades estas que independem de mensagens direcionadas com viés político. Do mesmo modo, acredito que até o mais sentimental poema lírico, se for literatura digna do nome, tem ressonâncias políticas, na medida em que cria condições para uma experiência de aprofundamento e de expansão dos horizontes intelectuais e da sensibilidade intersubjetiva do leitor, experiência esta que pode se desdobrar na sua convivência social. Essa parece ser a sina da literatura maior: equilibrar-se entre a rosa e a foice e transitar, alheia às tentativas de exclusivismo de uma parte ou de outra, pela ponte que leva do politicamente belo ao belamente político.

4 comentários:

Isabela Pimentel disse...

lindo texto!!!

Letícia Palmeira disse...

Acho que seu texto cabe ao texto da Biba no blog Carpe Diem. De forma metafórica ela diz que literatura pode servir ou não a quem trabalha com ela. Como se fosse um par de sapatos. O seu politicamente belo me fez pensar na opinião de alguns literatos aqui da região. Eles torcem o nariz para certos tipos de criação e sequer denominam literatura o que alguns produzem. Sendo política ou idealista, ainda caminho buscando literatura como fonte de estudo, auxílio e prazer. E, a respeito do caráter estético, como diria um certo escritor, literatura não é enfeite.

E é bom ler tuas reflexões.

Márcio Almeida Júnior disse...

Bela, obrigado pela leitura de meus devaneios literarios. Acho gratificante ter leitores atentos.

Márcio Almeida Júnior disse...

Leticia,
Sua opiniao e valiosa, pois parte de uma estudiosa que e, tambem, criadora de literatura. Esses literatos aos quais voce se refere sao candidatos a donos da verdade. Acho que eles existem em todo o mundo e em todas as areas. O tempo se incumbe de mostrar-lhes o seu devido lugar. Obrigado pela leitura. E um abraco.