domingo, 18 de outubro de 2009

Para onde vai a poesia?

A constatação de que a poesia vai se tornando uma ave cada vez mais rara nas livrarias tem razões mais profundas do que supõe a lógica de mercado. Não se trata de dizer simplesmente que os livros de poesia estão diminuindo das prateleiras de lançamentos por algum motivo como a falta de interesse dos editores. O que está diminuindo, penso, é a capacidade de ler poesia, isto é, de entender e valorizar a dimensão poética da existência humana. Assim, o fato de haver menos livros de poesia nas livrarias é causa e não efeito.
Constitui um lugar comum já antigo dizer que não sobraram muitos espaços para o lirismo sob o nosso tempo. Há nisso algo de verdade. O tipo de sensibilidade requerido pela poesia exige do leitor a habilidade de pôr em suspenso, por algum tempo, seus compromissos com a visão utilitarista que está subjacente à cultura de nossa época, com sua ênfase em mensagens mais fáceis e diretas. Esse tipo de sensibilidade exige também a habilidade de perceber o mundo de outra maneira e de ver de modo diferente o que antes parecia familiar.
Essas habilidades não são estimuladas pelo clima geral da cultura de nossa época. Esse clima aceita e incentiva a literatura de passatempo, mas não se conforma facilmente a um tipo de texto literário como o poético, que visa a causar um estranhamento e a fazer com que o leitor introduza na normalidade cotidiana certas inquietações existenciais que antes não pareciam cabíveis. Como não se presta a passatempo, tal como algumas histórias policiais e de aventura, que continuam vendendo bem, a poesia tem o seu espaço encurtado.
Esse encurtamento fez com que o lirismo dos tempos atuais fosse se concentrando cada vez mais na temática sentimental. O resultado é que apenas uma vertente do lirismo, a romântica, continua familiar ao público leigo. Isso explica o fato de quase todas as pessoas, mesmo as que não tiveram educação literária, compreenderem mensagens contidas em poemas que tematizam relacionamentos amorosos, enquanto um número cada vez menor de leitores é capaz de interagir com um texto lírico que está fora desse quadro temático.
Um rápido passeio às livrarias prova esse fenômeno. Poetas como Drummond, capazes de uma lírica abrangente, que não se esgota na temática de relacionamentos amorosos, continuam a ser reeditados, e seus poemas de amor vendem muito mais que os outros. O mesmo ocorre com Fernando Pessoa. Alberto Caeiro, o maior dos heterônimos pessoanos segundo o próprio Pessoa, é também o menos assimilado pelo público leigo, e o motivo, acredito, está no fato de grande parte de sua lírica não se fixar na temática dos relacionamentos amorosos.
O público leigo tende a procurar uma continuidade entre a letra da canção popular que fala do amor romântico de um modo já familiar e os poemas impressos em livro. Rupturas nessa continuidade, produzidas por textos que trazem inquietações existenciais, ou que chamam a atenção pelo modo de dizer e não só pelo conteúdo da mensagem, tendem a não ser compreendidos em muitas de suas características, o que se deve, em parte, à deficiência da educação para a arte em nossos dias.
A pergunta é: a poesia sobreviverá? Não parece haver motivo para pensar que ela vai desaparecer. A poesia reside num tipo de atitude que consiste em dar sentidos a certos conteúdos, lançando sobre eles um novo olhar. Essa atitude, como todo ato de dar significação aos elementos da realidade, é constituinte da natureza humana. Se é assim, não há por que temer o desaparecimento da poesia nem, por conseguinte, da produção de textos poéticos. Os poetas continuarão existindo e sendo lidos em seus círculos.
O que parece incerto é se existirá um público leigo interessado em poesia, assim como existe um público leigo interessado em romances policiais ou de aventuras. O que se pode dizer com segurança é que, se o público leigo de poesia, desde sempre menor que o de romances, diminuir até desaparecer, fazendo com que todo o lirismo voltado para a massa se concentre em letras de canções populares, o mundo ficará com menos inquietações existenciais e, ao mesmo tempo, mais pobre de pessoas capazes de valorizar a dimensão estética da vida.

2 comentários:

Biba disse...

É sempre difícil compreender o que os leitores querem, o que leem, do que gostam realmente. Gostei desse post, me fez pensar sobre poesia e isso é bom.

Beijo
Carpe Diem!!

Guilherme Alves disse...

Eu acho que de certa forma. O mundo atual matou a poesia. Pra você ser capaz de esboçar um poesia você precisa se desligar do mundo moderno. Pra mim, toda poesia é romântica. Abs.