Se um extra-terrestre viesse à Terra em visita de cortesia e pedisse a seus anfitriões que lhe apontassem os elementos da cultura humana que valeria a pena conhecer, penso que a lista de sugestões não poderia deixar de fora o blues. Conhecendo esse gênero de música, originário das plantações de algodão em que os negros norte-americanos trabalhavam em semi-escravidão nos anos finais do século XIX, o extra-terrestre se daria conta de que a atitude por trás do blues é uma das mais sublimes de que nós, os terráqueos, somos capazes. Essa atitude pode ser explicada como a capacidade de transformar sofrimento em arte.
Caso o extra-terrestre se interessasse em saber um pouco mais sobre o blues, descobriria que ele, embora originário do sofrimento, transcende essa condição e nada tem de depressivo. Pelo contrário: é enérgico e cheio de vida, tendo transmitido sua energia e vitalidade a gêneros musicais como o rock, seu filho mais conhecido. No blues, como em outras produções artísticas do Ocidente e do Oriente, a mente criadora literalmente sacode a poeira e dá a volta por cima. A depressão vira música, e a desilusão transforma-se em poesia popular.
Ao final da visita do extra-terrestre à Terra, seus anfitriões poderiam incluir entre os presentes que ele levaria como lembrança do nosso planeta alguns discos de blues. Não me atrevo a fazer uma lista deles, mas estou convencido de que não deveria faltar o King of The Delta Blues Singers, de Robert Johnson, o lendário e genial cantor, guitarrista e compositor que só gravou 29 músicas em sua curtíssima vida, em duas sessões realizadas na segunda metade dos anos de 1930, mas que deixou uma marca profunda na cultura musical do ocidente, retomada por artistas do porte dos Rolling Stones. Depois de ouvir Johnson com os ouvidos e a mente abertos, ninguém é mais o mesmo, qualquer que seja o mundo em que esteja.
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King of The Delta Blues Singers está disponível gratuitamente na web. Ele pode ser encontrado, por exemplo, no Woodstock, um dos blogues brasileiros que se dedicam a difundir versões integrais, e com boa qualidade sonora, de raridades musicais. Devo a descoberta desses blogues a meu filho Pedro, um adolescente de 15 anos que venceu os apelos do modismo e mantém seus ouvidos atentos à música de várias épocas e gêneros. Juntos, temos feito audições memoráveis. Pedro descobriu sozinho bluesmen gigantes como Muddy Waters e Howlin' Wolf. Com minha ajuda, descobriu também o blues presente nas obras de Bob Dylan (temos ouvido com atenção os primeiros cinco discos), Rolling Stones e Johnny Winter. Tendo ao lado pão-de-queijo e café com pouco açúcar ou, ocasionalmente, doses cavalares de limonada, temos despejado acordes inspiradores nas noites azuis de Minas Gerais.
1 comentários:
Eu fico esperando que você escreva algo sempre. É como na infância quando eu esperava que chegassem minhas revistas da Turma da Mônica.
E graças a você, estou ouvindo blues nesta manhã de segunda. Se um extra-terrestre viesse à terra, eu o convidaria a ouvir blues, comer tapioca e ver o sol se pôr lá do Hotel Globo - aqui mesmo em João Pessoa.
Falando em blues, meu contato com esse estilo musical devo ao meu irmão. Desde que aprendeu a tocar violão, sempre tocou blues e eu ficava ouvindo. Conheço bem Muddy Waters e algumas composições do Bob Dylan que são marcadas por esse ritmo. E é perfeito ver em filmes aqueles negros cantando blues. Um amigo que também escreve em blogues, o Leandro Neres, também me fez ouvir bastante blues. O Leandro é tão apaixonado por música que eu o chamo de Coltrane.
E você tem sorte. Seu filho Pedro tem bom gosto. Espero que o meu Pedro siga esse caminho. Estou fazendo a minha parte.
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