O cinema da Escandinávia funciona para mim como uma espécie de alternativa à alternativa para os filmes hollywoodianos. Quando desejo ver uma produção que não se enquadre no padrão cinematográfico norte-americano, o que acontece com frequência razoável, busco o cinema europeu, em especial os filmes espanhóis, franceses, italianos e alemães. Se me canso dessas produções, faço uma incursão pela cinematografia escandinava e sempre saio dela revigorado. A capacidade de seguir seu próprio caminho demonstrada pelos cinemas dinamarquês, norueguês, sueco, finlandês e islandês me proporciona uma saudável impressão de diversidade e me faz pensar que no norte gelado da Europa, afinal, há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã cinefilia.
Procuro assistir tanto aos clássicos, quanto às produções dos últimos anos. Os clássicos incluem, entre os dinamarqueses, diretores como Carl Theodor Dreyer (A paixão de Joana Darc), que é o "pai" do cinema em seu país, Henning Carlsen (Dilema), entre outros. Da nova geração, gosto de Lars Von Trier (Dogville) e Thomas Vinterberg (Festa de Família), ambos do grupo Dogma 95, que lançou a proposta de radicalizar seu distanciamento do cinema comercial por meio de regras rígidas para a realização de filmes, e Bille August (Pelle, o Conquistador). Entre os suecos, admiro tanto o gigante Ingmar Bergman (Morangos Silvestres e vários outros), quanto novos talentos como Liv Ullmann (Sem fé), Erik Skjoldbjaerg (Insônia, o filme original, depois refeito nos Estados Unidos) e Hans Petter Moland (Zero Kelvin). Entre os filandeses, rendo-me ao talento de Aki Olavi Kaurismäki (O homem sem passado).
Uma forma de explicar, grosso modo, o cinema escandinavo das últimas décadas consiste em dizer que ele vem oscilando entre dois pontos, representados pelo realismo herdado da tradição e a abertura para propostas mais hollywoodianas, tendo ainda, como referência, um certo experimentalismo estimulado por Bergman. Para mim, porém, o mais valioso na filmografia dos países nórdicos é a capacidade de misturar esses dois pólos aparentemente antagônicos em filmes que, mostrando a realidade de uma forma simples, revelam seus aspectos líricos. Eu poderia citar vários deles, mas dois bastam. Um, muito conhecido, é o excelente "Minha Vida de Cachorro" (1985), do sueco Lasse Hallström, que também dirigiu "Regras da Vida" e "Chocolate", estes dois mais hollywoodianos. Consigo uma profunda identificação com Ingemar (Anton Glanzelius), o garoto protagonista que descobre o mundo numa pequena cidade da Suécia no final dos anos 50. E não me canso de admirar a capacidade do diretor de assumir a visão infantil do mundo.
O outro filme, menos conhecido, mas não menos interessante, é "O Telegrafista" (1993), do norueguês Erik Gustavson. Quando o vi pela primeira vez, ainda em VHS, admirei não só as qualidades cinematográficas, como a bela fotografia (a imagem acima é retirada do filme, cuja história se passa numa simpática aldeia litorânea), como também a excelente trama e a composição do personagem principal. Comecei a achar que o protagonista, Ove Rolandsen (Bjorn Floberg) — uma mistura peculiaríssima de poeta, inventor, sonhador e conquistador de corações, tudo reunido numa personalidade lírica — era uma das personagens mais interessantes que eu já tinha visto no cinema e terminei descobrindo que a história é baseada num romance de ninguém menos do que Knut Hamsun, Prêmio Nobel de Literatura de 1920 e um dos mais importantes escritores da Noruega em todos os tempos. O romance no qual "O Telegrafista" se baseia é "O Sonhador", de 1904. É uma história mágica que rendeu um filme mágico, ambos mostrando que sob o frio do norte há uma palpitante sensibilidade humana.
3 comentários:
Estou chegando aqui pela primeira vez. Vejo que teu espaço merece um olhar mais demorado. Já li teu texto sobre o cinema da Escandinávia. Vou seguir por ai,pelas outras postagens, com tua licença.
Um abraço.
huhu
huhu
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