domingo, 21 de junho de 2009

Saudação ao inverno


Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na primavera,
E um rio aonde ir quando acabemos.
(Alberto Caeiro)

Saí antes do meio-dia e voltei à tarde sem me dar conta de que já é inverno. Se não tivesse aberto por acaso uma agenda com calendário, por certo não teria me lembrado de que uma outra estação começa hoje. Mas a informação que o calendário me trouxe é desnecessária. O calendário da pele, muito mais preciso para determinar as estações, já me apontava há vários dias a chegada do inverno, que veio aos poucos, como sempre, sem dar importância ao fato de haver um dia dedicado a marcar seu início.
A pele sabe que o fim de uma estação é sempre o início da outra, havendo períodos em que ambas se misturam. Isso é a realidade, que não se curva às divisões rígidas que nós lhe impomos. E a realidade permanece alheia à presunção de se ver o inverno como o oposto da primavera, como se aquele só existisse em função desta. Não se pode levar a sério a afirmação de que os dias de inverno são o preço que pagamos para melhor apreciar os de verão ou primavera ou que o desconforto do frio é uma forma de nos fazer sentir o quanto o calor é bom.
Quem vê as coisas desse modo nega a natureza tentando conformá-la a uma idealização que a mutila e que por isso não tem razão de ser. O inverno é o inverno, não um estágio necessário para se passar do outono à primavera. Os dias de inverno não são uma ponte entre dois lados. São um fim em si mesmos, tanto quanto o são os dias de primavera. No fundo, ver o inverno como a antítese necessária para se valorizar a primavera ou o verão é como desejar, de modo velado, que haja apenas dias de primavera ou verão.
Melhor do que alimentar esse desejo vão é nos abrirmos à natureza como ela é e não como gostaríamos que fosse. Não há melancolia no frio e no cair das folhas. A melancolia está em não aceitar que haja dias frios e folhas que caem e são levadas pelo vento até as águas do regato que as dissolverá, fazendo com que voltem à matéria do chão de onde saíram. Melancólica é toda tentativa de trocar a realidade por uma idealização. É preciso superar o medo e ter a coragem de experimentar o que nos traz cada estação da vida.
(imagem: Pieter Brueghel, "Hunters in the Snow" - de 1565)

5 comentários:

Letícia disse...

Uma bela saudação, devo dizer. Sábia, madura e serena. Fica tão simples enxergar, após ler o seu texto, que nós sofremos essa melancolia por não aceitarmos a vida como ela existe. Sempre buscamos defeitos e algo que nos faça mal. Idealização, nesse caso, é sonho torto mesmo. Gostei muito, Márcio.

Um abraço.

Luisa Carminatti disse...

Época boa pra ver filme em casa
Edredons, vinho...
Época de ver se os filhos estão agasalhados antes de dormir.
Belo texto!
Abraços.

Paulo disse...

Para mim a melhor estaçao do anos

Anônimo disse...

Mácio,

"O inverno é o inverno, não um estágio necessário para se passar do outono à primavera."
"É preciso superar o medo e ter a coragem de experimentar o que nos traz cada estação da vida."

Que lindo esse seu texto!
Li várias vezes, não me canso de te ler. Mesmo que quase nunca comente...


Beijos!
Glaucia.

Anônimo disse...

É essa diversidade que faz a vida tão boa. Mesmo os problemas, as dificuldades, tudo tem seu lado bom, tudo traz um aprendizado, um prazer. É só saber aproveitar.

Abraço grande,

Pablo