quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um novo amigo


Folhas amarelas e balões vermelhos
Salvo melhor juízo, estou em vias de fazer um novo amigo. Estava voltando a pé do trabalho no domingo, quando o vi andando pela cidade. O que me chamou a atenção foi o fato de que ele, como eu, parecia imerso em pensamentos. Caminhava meio a esmo pelas ruas, como se não tivesse um trajeto definido, como gosto de fazer quando tenho tempo. Passei casualmente por ele no meio da tarde.
Observei-o rápido, mas pude ver que ali estava um amigo em potencial. Sua expressão pensativa mostrou-me que ele, tanto quanto eu, é dado à reflexão. Pensei em puxar conversa, mas achei por bem não me precipitar. Afinal, o mundo anda cheio de gente esquisita e mal intencionada, e ele poderia tomar-me, não como alguém que deseja ampliar seu círculo de convivência, mas como um sujeito com segundas intenções.
Fiquei calado, por via das dúvidas, mas não pude conter a admiração pelas afinidades que parecem nos unir. Num dado momento, um dos velhos fícus da praça foi agitado pelo vento e soltou um monte de folhas meio amarelas que deram alguns rodopios no ar antes de irem pousar suavemente no gramado. Meu candidato a amigo ficou olhando atento e parecia tão interessado quanto eu naquele balé aéreo.
Estávamos a ponto de trocar impressões sobre as folhas esvoaçantes, quando uma criança que passava acompanhada pela mãe deixou cair um balão vermelho. Colhido pela aragem de abril, o balão imitou as folhas e deu algumas voltas no ar antes de aterrisar. Meu quase amigo, que, como eu parece apreciar crianças, gostou tanto daquilo que eriçou as orelhas, soltou um latido e saiu pulando e abanando o rabo de alegria pela praça.
Depois disso, disparou pela rua com a mais pura felicidade. Não o vi mais, mas espero reencontrá-lo. Para que isso ocorra, estou fazendo sempre o mesmo trajeto ao voltar do trabalho. Para mim, a amizade vale ouro. Nestes tempos complicados, que tornam as pessoas complicadas, não é todo dia que encontramos um companheiro de caminhadas que gosta de crianças e pára para ver folhas e balões que rodopiam nas tardes de abril.

1 comentários:

Letícia disse...

Estou de volta após o feriado e dou de cara com uma crônica perfeita. Não estou querendo agradar, Márcio. É o caminhar das suas palavras que me levam a dizer isso. São tão simples e ganham uma dimensão gigante. Tenho a mesma sensação que você ou o narrador retratam. Observando detalhes que poucos podem ver. Como as crianças, Márcio. Acho que um dia te falei isso. É o olhar de uma criança e a sabedoria de um escritor que leio aqui.

Um abraço.

E valeu pelo comentário, Professor.