domingo, 5 de abril de 2009

Um brinde à pesquisa científica!


Sobre causas e efeitos

A idéia de causalidade tem sido um dos mais complexos temas da história do pensamento ocidental. Na ciência, ela é o fundamento conceitual das pesquisas desde os gregos antigos. No direito, constitui a base da doutrina do nexo causal, que ensina as condições que devem estar presentes para que se possa alegar com segurança que uma conduta motivou um dano. Na filosofia, essa idéia é o ponto a partir do qual se estrutura todo o pensamento de Aristóteles, que explica o movimento, isto é, as mudanças da realidade, como resultado de causas, a mais importante das quais recebe o nome de Deus.
As idéias de causalidade, além de complexas, são polêmicas. Em direito, existe a possibilidade de não se provar de modo irrefutável que a conduta de alguém efetivamente deu causa ao dano da vítima. Em ciência, a causalidade que serve à física e à química não calha, por exemplo, para a sociologia e as outras disciplinas que se debruçam sobre o homem, uma vez que ele é um ser que tem alguma liberdade e, portanto, não vive sob o rígido império da causa-efeito. Na filosofia, a doutrina das causas finais aristotélicas tem sido posta à prova pela longa tradição que nega conceitos metafísicos como o de "Deus".
O que ficou dito acima serve de preâmbulo para eu dizer que estou analisando a causa da minha enxaqueca. Observando e tomando notas, como preceitua a boa metodogia, já me dei conta de um fenômeno que está desafiando minha curiosidade: todas as vezes em que tomo mais de uma garrafa de vinho sozinho tenho dor de cabeça, o que sugere a possibilidade de se explicar a dor pela ingestão da bebida. Mas isso é só uma hipótese e, como tal, sujeita a verificação rigorosa. Para honrar a tradição científica, que recomenda basear afirmações em experiências prévias, decidi fazer uma pesquisa.
Mas ela não será feita com pressa, pois os gigantes do pensamento científico nos ensinaram que o conhecimento é filho da paciência. Decidi então tomar sozinho várias garrafas de vinho até concluir, com segurança, se há ou não relação entre a bebida e a enxaqueca. Planejei uma série de experimentos nos próximos 40 anos, tempo que levarei, segundo meus cálculos, para tomar pelo menos três garrafas de cada tipo de uva e de cada vinícola digna de crédito. Pode parecer um prazo longo, mas a ciência nos exige sacrifícios. Adepto da sobriedade científica, prefiro pecar por excesso de experiência a fazer suposições no vazio.

3 comentários:

layla lauar disse...

eu já ouvi várias desculpas de quem se excede na bebida... a sua é a mais original e porque não a mais científica...boa sorte na sua pesquisa de causas e efeito.

bom domingo!

Erica Roy disse...

Estive lendo com muita atenção este seu texto e lhe confesso que me impressionou porque lança pistas de reflexão, em algumas delas eu ainda não tinha maturado.
Só por isso, obrigado.
Beijinho
Erica.
..........
ps
continuo aparecendo entre seus seguidores sem rosto...mas acontece que meu blogue tem endereço/link diferente e, portanto, preferia não surgir lá sem rosto:)

erica-ericaroy.blogspot.com

Letícia disse...

40 anos de pesquisas filosóficas acerca de Deus, enxaqueca e vinho. Um longo prazo, mas está dito. O conhecimento é filho da paciência que, por sua vez, é irmã da urgência.

Como sempre, você analisa tudo e é simples e bom de se ler.

Até mais, Márcio.