domingo, 15 de março de 2009

Um livro que todo blogueiro deveria ler


As surpresas de Alice

O talento floresce onde e quando quer, sem fazer caso de circunstâncias adversas. É a conclusão a que chego depois de mais uma releitura de "Minha Vida de Menina", de Helena Morley. O livro, clássico da literatura brasileira pré-modernista, é o diário de uma mocinha de 17 anos do interior de Minas entre 1893 e 1895. Ficou esquecido por décadas entre papéis velhos e só apareceu em primeira edição em 1942, por sugestão de familiares da autora, que nunca fez questão de ser vista como escritora.
E o que há de tão diferente nesse diário que justifique vários estudos, o interesse da crítica e até um filme? Há muita coisa, a começar por uma linguagem leve e despojada que antecipa, em duas décadas, aspectos da revolução modernista na literatura. E há uma peculiar mistura de recato com a coragem feminina de não aceitar imposições e uma visão de mundo surpreendentemente precoce para uma adolescente, que parte da observação de sua pequena cidade para chegar à contemplação de aspectos universais da natureza humana.
Helena Morley é o pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant (1880-1970). Menina tímida de Diamantina, descendente de ingleses, ela surpreendeu sempre. Suas primas casaram-se jovens com donos de pequenos negócios e recriminavam-lhe a falta de preocupação com o matrimônio. Sem pressa, Alice se casou com um banqueiro. Seu caderno de notas tinha tudo para ser o conjunto de reflexões suspirosas de uma adolescente de província. Mas foi reconhecido como obra genial. É tão genial, aliás, que deveria ser leitura de cabeceira para os blogueiros que põem a alma na janela em seus diários virtuais.
***
Graciliano Ramos, modelo de prosa que todo aspirante a escritor deveria estudar a fundo, também tinha um talento que floresceu contra todos os prognósticos. Perdido no sertão de Alagoas nos anos 20, como prefeito, ele enviava ao governo relatórios exigidos a todos os administradores públicos. Um deles caiu nas mãos do escritor Augusto Frederico Schmidt, então diretor da Biblioteca Nacional. Schmidt viu neles talento literário e não descansou até conseguir que Graciliano publicasse trabalhos de gaveta. Os relatórios, incluídos nas obras completas do autor de "São Bernardo", são primores de prosa. E Graciliano, diga-se de passagem, foi um grande prefeito.

2 comentários:

mariza lourenço disse...

Márcio,

o que seria desta amiga sem recomendações preciosas como essas?
talvez, as pessoas, blogueiros, especificamente, não tenham ainda se dado conta da importância de suas confissões públicas. blogues são janelas abertas para o mundo. e guardadas as devidas proporções, ao escrevermos, abrimos as portas de nossas casas, nossos quartos, nossas almas à visitação.
(nossa, como Camilla costuma dizer, viajei na 'maionese')
mas a verdade é que essa exposição deveria demandar, em minha opinião, um mínimo de critério e comprometimento com a língua. e esse compromisso, claro, somente muita leitura pode garantir.
e, de fato, o talento nasce onde menos se espera, porque é dom. mantê-lo, fazê-lo explodir, depende de sensibilidade, disposição, esforço e muito trabalho.
e agora esta amiga pede licença para se retirar de sua aconchegante sala para retornar a dela, lembrando sempre que, visitá-lo, é um aprendizado e tanto.

uma boa semana, mon ami.
e um beijo.

Letícia disse...

Geralmente são essas pessoas que não carregam pretensões que mais nos supreendem. Não conheço o livro, mas deve ser bom. E penso na vida... muita gente esquece, mas acredito que a vida seja a fonte de uma grande produção literária. Mesmo que seja um diário.