segunda-feira, 30 de março de 2009

À sombra da minha ignorância em flor


A modernidade do paisagismo que só eu não conhecia
Chegará o dia em que a legislação há de conter penalidades severas para as árvores urbanas que cometerem a indelicadeza de florir mais intensamente do que o esperado. E haverá, quem sabe, previsão legal de sérias represálias para aquelas que resolverem perder as folhas um pouco antes ou depois do momento usual. Foi a essa previsão que cheguei ao ler hoje, pela mídia, as opiniões de um entendido que discute com eloquência, entre outras coisas, a evolução do conceito de paisagismo urbano composto com árvores.
Essa instrutiva entrevista ensinou-me que, ao contrário do que eu pensava, há modismos em se tratando de árvores, os quais devem ser seguidos pelas cidades que querem mostrar a seus cidadãos e visitantes o quanto são modernas e bem urbanizadas. No ir e vir da moda, pode-se chegar ao momento em que um fícus de 60 anos, por exemplo, é considerado inadequado aos jardins em razão do seu grande porte, incompatível com a preferência momentânea por arbustos. A solução? Arrancá-lo, claro.
Também há períodos em que entram em voga as podas radicais, dessas que decepam galhos e os tornam parecidos com cruzes, fazendo com que ruas e avenidas assumam a aparência de um calvário ou de um grande cemitério de mortos na guerra. Pode ocorrer ainda que numa primavera qualquer a moda resgate a idéia de caiar de branco os troncos e cercá-los com ferro e concreto armado, o que resulta num visual de jaula e, ao mesmo tempo, na incapacidade de as raízes se expandirem.
Só agora, depois de ler essas declarações, é que me dei conta do quanto estou fora de moda. Filho, neto e bisneto de fazendeiros, eu chego ao cúmulo de pensar que árvores têm sua própria natureza e que não deveriam ser curvadas às constantes mudanças de humores e gostos dos homens. Mais: eu cometo o absurdo de pensar que árvores, antes de serem um elemento da paisagem, são parte do sistema da vida, um sistema que, além de ser a base da existência dos pássaros, fornece sombra e melhora o ar para os seres humanos.
Essa indevida admiração chegou a povoar minhas fantasias. Nos livros e desenhos animados da minha infância, eu sempre esperava ver árvores em bosques encantados, tanto quanto esperava por bruxas, cavaleiros e princesas. Houve mesmo uma época em que a sombra de um enorme limoeiro que havia no fundo do quintal de minha casa passou a ser o meu lugar predileto no mundo. Nas noites de vento, quando eu ouvia da cama as folhas se balançando, era como se um velho amigo estivesse conversando baixinho do lado de fora da minha janela.
Lendo agora o que diz um especialista, vejo que tenho sido um ingênuo. E descubro o quanto minhas idéias são invertidas. Para mim, se uma árvore antiga atrapalha o traçado do jardim ou do canteiro central da rua, o problema não está nela, mas no projeto que traçou a rua e o jardim. É tamanha a minha ignorância, que chego a ter dificuldade de confessar aqui e se o faço agora é por dever de honestidade: tenho acreditado que árvores são como almas: quanto mais livres puderem se expandir e ser elas mesmas, tanto melhores e mais belas ficarão.

2 comentários:

mariza lourenço disse...

meu amigo,

provavelmente, algum arrogante cosmopolita especialista em paisagismo urbano (até o nome é chique e cheio de pretensão), respondesse ante seu espanto com tanta modernidade: ó, meu caro, bem-vindo ao mundo que nos cerca.

é que a empáfia desconhece medidas. *;)

não me importo com o progresso, ele é necessário ao homem e à sua sobrevivência, mas me importa sim, o que o progresso disfarçado de benefício, faz à natureza e às belezas que nos foram ofertadas pelo criador.

a bem da verdade, o homem não passa de um ser desatento. macula o que é belo, macula seres vivos, tudo em nome de um suposto crescimento, que a gente sabe muito bem, pode atender, também, pelo nome de vaidade.

é isso aí, o homem é vaidoso e a árvore paga o pato.

bem, nos resta o consolo de que muita gente, a exemplo do que você faz nessa crônica, ainda usa a voz para protestar.

excelente texto. mais um, né? todos são ótimos, afinal.

buenas noches!

Letícia disse...

Márcio,

Sei bem do que você fala. Moro em João Pessoa e dizem ser a segunda cidade mais verde do mundo. Pois é. Mas, um dia, resolveram cortar as árvores de uma avenida que é bem conhecida por aqui. E por quê cortaram as árvores? Porque as raízes estavam quebrando a calçada e, no lugar das belas árvores, plantaram outras e colocaram cerca e a famosa faixa branca. Acabaram-se as árvores frondosas. Em minha casa, no jardim, tem uma árvore enorme. Eu venero essa árvore. Solta folhas o tempo todo, alguns frutos e é perfeita. Quando chega a hora de podá-la, eu fico olhando com dor no coração. Mas fazer o quê? Ela atrapalha a vida da minha vizinha porque, segundo ela, a minha árvore suja a calçada dela e é terrível lidar com as folhas. A mulher me disse isso e eu fiquei sem saber o que dizer. Certos comentários devem ser ignorados. Mas eu não arranco a árvore do meu jardim. Nem que me tragam o prefeito e um mandato.