domingo, 1 de março de 2009

De como se perdem poemas e paixões


O verão da minha desilusão poética

Já houve quem quisesse saber se meu gosto pela poesia nunca fez com que eu próprio me aventurasse a poetar. A resposta pede uma confissão: sim, eu também já poetei. E cometi versos tão assombrosamente obtusos, que ao lê-los, dias depois, temi ter perdido não só o bom gosto, como também o bom senso.
Minha carreira poética foi, literalmente, um amor de verão. Tive a ingrata idéia de virar poeta aos 15 anos, com finalidade prática: conquistar a musa da 7ª série, que tinha queda por versos. Chegamos a entabular conversas entusiasmadas a respeito de livros e autores. Apaixonado, senti a necessidade de me declarar. Mas como? Pensei durante dias sobre a melhor forma de abrir o coração, até que um Cupido de terceira categoria me soprou ao ouvido a idéia de cometer um poema-declaração.
Aparentemente bom, o projeto se revelou muito acima das minhas modestas possibilidades literárias. Confrontado com a dificuldade e convencido de que poeta não é só o nome que se dá aos cidadãos que fazem rimas, entendi que, por humildade, deveria treinar antes de encarar minha obra-prima. E deitei no papel exercícios poéticos cuja temática ia de caramujos a corações. Levei nessa labuta lírica uns bons 2 meses. Depois, menos inseguro nos mares da poética, pus mãos à obra para edificar minha criação.
Teve início um calvário de rascunhos feitos, jogados na cesta, retirados dela, reaproveitados, jogados fora de novo. Verbos e substantivos eram trocados por outros, os outros eram trocados pelos primeiros. Não detalharei o martírio da busca de rimas e o sofrimento indizível de satisfazer os caprichos da métrica. No afã de dominar ambas as técnicas, quase fui reprovado. Nas aulas, enquanto os professores explicavam matérias e corrigiam exercícios, eu estava imerso na minha construção literária.
Antes de o verão terminar, meu poema-declaração estava praticamente pronto, só lhe faltando uns ajustes em adjetivos. Não cheguei sequer a respirar aliviado pelo dever cumprido. Em vez disso, suspirei pelo dever perdido: num dos corredores da escola, dei com a minha musa da 7ª série de mãos dadas com um aluno da 8ª que, a meu juízo estético, teria dificuldades até para se expressar em prosa infantil. Engoli em seco e pus a culpa na minha falta de aptidão poética. Sem talento, perdi o poema e a paixão.
A humanidade perdeu naquele instante um mau poeta, e eu ganhei a abençoada oportunidade de fugir aos risos reservados aos escritores de província metidos a autores de poemas. Antes de terminarem as aulas daquele dia, pedi emprestada uma tesoura e cortei em pedaços bem miúdos a minha Obra Poética Completa, que foi adornar o fundo do latão de lixo da escola. Tirei do episódio a lição de que declarações de amor ficam melhor em prosa, que é mais fácil de ser produzida e, por isso, não nos faz perder tempo.
De toda aquela produção juvenil, conservei uma única quadra, que foi escrita na mesma tarde e marcou a minha despedida da poesia militante. Reproduzo-a aqui não pelo valor literário, que obviamente não tem, mas como registro do quanto sofrem os poetas de pé quebrado que amam as musas de 7ª série. Ei-la ao vivo e a cores:

Aqui está, assumida, a minha desistência.

Em resposta a vós, amigos, que me perguntais.

Poesia: não me encontrei em tal ciência.

Versejar? Fazer rimas? Não senhores, nunca mais.

6 comentários:

Clea Pinheiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Clea Pinheiro disse...

Caro Márcio,
Amo a poesia e não poderia deixar de comentar esse texto tão bem elaborado. Apenas para enriquecer o tema vejo-a por outro ângulo: a poesia é um estado de encantamento, de contemplação, uma sensação... e sabemos que estes estados são passageiros. A poesia apenas registra-o antes que se vá. Aí está sua beleza, porque capta por um momento um reflexo, uma amostra do que poderia ser eterno, aliás esse é o grande sonho dos poetas, pois se não acreditassem, não escreveriam. Seria pura leviandade.
Mas, creio que estás certo em desistir da poesia - ela é como um sonho apenas, uma esperança.
É um bom tema para se pensar, como todos os seus textos.

Elcio Tuiribepi disse...

Olá Márcio, não é que meu primeiro poema também nasceu quando eu tinha quase quinze anos, só que ela surgiu devido a morte de minha avó, por quem eu nutria um sentimento bastante especial. Depois nunca mais escrevi, perdi o poema num mudança e até os 36 me dediquei a trabalhos artesanais paea preecher meu tempo, faço entalhes em madeira, Mas poeta, poetas mesmo, confesso, são pessoas muito especiais como Vinícius, Fernando, Florbela, Cecília, Ferreira, Lya, e tantos outros...
Seu texto fez com que eu lembrasse do meu primeiro amor...rs
Lembro que fui numa matinal e fiquei de mãos dadas com a menina o filme todo, suando frio...rs... Foi um momento único, onde a inocência não tinha vergonha de ser inocência.
Quanto ao seu poema, se aos quinze era assim...acho que perdemos um poeta...mas ganhamos um escritor de contos, crônicas e belos textos...desculpa me alongar, é que vieram lembranças.
Obrigado pelo coments lá...um abraço na alma...bom domingo..vou te add ok...valeuuuu

Flávia disse...

Você pode até ter desistido da poesia - mas, pelo visto, a poesiase recusa a desistir de você :)

UM beijo.

Sueli Maia (Mai) disse...

...E nós ganhamos um escritor, dos melhores. E confissando os teus delitos de amor adolescente, 'poetas' teu primeiro e talvez maior ou único amor - amor pela palavra. Amor literário.

A poesia, Márcio. A tua poesia, para mim está justo ai.
Nisso que não se assume esteticamente como, mas é pura poesia.
Hoje eu sei porque venho aqui, sempre.
E mesmo quando não comento, gosto de ler o que escreves.

És inevitável!
És raro.

mariza lourenço disse...

e do poeta nasceu o escritor.

aliás, que negócio é esse de que poesia é manifestação obrigatória para quem escreve?

tão absurdo quanto isso é achar que ela é, tão somente, um lirismo momentâneo. não é. que o digam Drummond e outros tantos poetas que se debruçam sobre seus poemas milhares de vezes antes de revelá-los a nós, pobres mortais.

poesia é esforço criativo. prosa também. um gênero não invalida o outro. e ambos requerem disciplina, exercício constante. e talento, naturalmente.

gosto muito de suas crônicas, Márcio. e sim, elas estão profundamente atreladas a um estado de contemplação. o mesmo de que se valem poetas para escrever.
afinal, poesia é vida. e vice-versa. já, poema, é outra conversa.

parabéns ao menino que tentou. a causa era nobre.
parabéns ao escritor sensível e talentoso. o objetivo de encantar o leitor está devidamente cumprido. e muito bem, meu senhor.

um abraço.