sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

As cidades e as serras, ora pois

Você já sentiu saudades ou uma leve nostalgia de um lugar em que ainda não esteve? Se esse estranho sentimento já lhe acometeu, tenha a bondade de avisar-me para que eu não fique aqui, sozinho, pensando que estou enlouquecendo. O caso é que ando com uma saudade tremenda de Portugal, como se já tivesse estado por lá. Chego ao cúmulo de sentir falta de vários lugares de cuja existência só tive notícias aqui, do outro lado do mar. Mas não lamento a minha ausência aos pontos turísticos, pois detesto turismo. O que gosto mesmo é de viajar. Quem viaja pode até ver pontos turísticos, quando não houver nada mais interessante para fazer, mas o turista típico dificilmente viaja: apenas cumpre roteiros programados para causar a mesma impressão em todos.
Minhas saudades imaginárias não são, pois, dos pontos turísticos, mas dos locais onde Portugal é mais pitoresco, mais interiorano, menos cosmopolita, menos sofisticado. Eu queria sorver a alma portuguesa sentado na mesa de um café de Bragança, Leiria ou Beja, desde que fosse um estabelecimento pequeno, de construção antiga, com placa de metal pendurada na parede e, se não for pedir muito, em rua com calçamento de pedra. Ou quem sabe aspirar o aroma típico das terras portuguesas em Viana do Castelo ou Faro? Será saudade da porção européia de minhas origens ancestrais ou a vontade de religação com traços de fundo da cultura que organizou as bases da nação brasileira? Não sei dizer.
Eu quero apenas ir. Sem teorias, sem explicações. No ano passado, estive pensando em comparecer a um congresso de Lógica aplicada à Argumentação Jurídica que aconteceria em Coimbra. Depois pensei que seria mais interessante marcar presença num festival de gastronomia na região de Lisboa. Afinal, não fui a nenhum deles. E fiz mal, pois aqui estou atormentado de saudades de ultramar, saudades dos lugares aonde não fui... Não faz mal. Como diria o padre Antônio Vieira, dono de um coração 50% brasileiro e 50% português, um sentimento com outro se apaga. Para acabar com essa nostalgia imaginária, vou sentir Portugal. E já avisei à moça da empresa de viagem que de nada adiantará tentar empurrar-me pacotes turísticos para a Europa Clássica.
É Portugal, o das serras e o das cidades, que eu quero ver, ouvir, tocar, sorver, aspirar e guardar na memória dos sentidos, que é muito mais viva e forte do que a memória intelectual feita de conceitos e raciocínios. Bem, mas vamos ao que interessa, porque o texto já ultrapassou seu limite e, por conseguinte, a paciência de seus virtuais leitores: Alguém sabe o endereço de algum hotel na terra de Eça de Queiroz com quartos que tenham renda branca nas camas, flores delicadas no parapeito das janelas, dando vista para uma pequena rua ensolarada, onde alguns senhores se sentam para conversar amenidades nas horas mais tranquilas do dia sem se espantar com a presença de um estranho que quer ouvir a conversa?
Não sou exigente, ora pois. Também serve uma pousada, mas ela deve ter por perto uma igreja cujo sino toque de vez em quando, espantando pombos, e deve ter nas proximidades uma pequena estrada que conduz a um vilarejo e, se não for pedir demais, a estrada deve ter à margem um pasto de capim baixo em que se possa estender uma toalha e colocar sobre ela uma garrafa de vinho de uvas Periquita e algo para se degustar sentado na grama, enquanto se olha os pombos e se ouve ao longe o sino da aldeia que os espantou. Já que estamos a falar de vinho, viria a calhar se alguém conhecesse um lugar livre de turistas onde, nos fins de semana à noite, se reúnam cidadãos comuns para ouvir alguém cantar um fado enquanto se saboreia uma taça do legítimo Porto, com direito, claro, a estrelas brilhando no céu.

3 comentários:

Anônimo disse...

Vim agradecer pelo privilégio de tê-lo conhecido e ter sido acolhida como amiga!
Com muito carinho...

Gláucia Elaine

Clea Pinheiro disse...

às vezes viajo virtualmente para Évora, minha cidade preferida em Portugal por razões desconhecidas. Conheço suas ruas, lojinhas...
veja este site e ao ler "meu Alentejo" e "Branca Flor" pare para ouvir. Abraços.
http://evunix.uevora.pt/~femi/porttow/

Clea Pinheiro disse...

Desejo que vás a Portugal e vivas muito por estes lugares que descreves e naturalmente, escrevas um livro - o livro que eu quero ler.
Felicidades!