domingo, 14 de julho de 2013

Os lanternários


Se não mentem os alfarrábios
coube aos romanos antigos
criar a iluminação pública.
Não passavam de tochas
as lâmpadas de então,
que, postas sobre estacas,
iluminavam, solícitas,
quem ia em peregrinação.

Ofício perigoso era esse
de enfrentar as vias ermas
para com o fogo espantar
o receio dos passantes.
À falta de operários
que o pudessem executar,
designavam-se escravos,
que o povo chamou lanternários.

Passaram os séculos,
mas não o primordial
e arraigado medo da noite.
Extintos os escravos,
livres acendedores
foram chamados à lida:
homens em quem o escuro
não infundia temores.

Como antiga confraria
a cada geração recriada,
os combatentes do escuro
viram, por certo, a peste negra
e puseram em risco a sorte
para iluminar doentes burgos
enquanto os outros, entre paredes,
tremiam diante da morte.

Pode-se imaginá-los, ainda,
 varas com chama na ponta,
a iluminar castelos e palácios
em noites de coroação,
ou, quem sabe, de parte a parte,
clareando as noites da cidade-luz
em que regressava, triunfal,
o invencível Bonaparte.

Antes da eletricidade,
foram vistos, operosos,
acendendo ao entardecer
e apagando na alvorada,
sem lamúrias nem fadigas,
as lâmpadas que levavam
às metrópoles ou cidadelas 
as luzes firmes e amigas.

Não consta que alguma vez
tenham tido outra ajuda
além da oferecida pela lua cheia
ou pelas estrelas distantes,
companheiras silenciosas
na missão de tornar seguras,
para os crentes e os descrentes,
as ruas e praças perigosas.

Nem se sabe de pintor antigo
que os tenha posto em tela
nem de músico que os cantou
ou versejador que acaso
neles se tenha inspirado,
embora poesia, pintura e música,
ocupações dos amantes da noite,
sejam filhas do espaço iluminado.

No viver, como no criar,
há que ser como o lanternário,
trabalhador devotado da luz
que termina sua jornada
e, discreto, parte,
sabendo, no íntimo, que iluminar
a escuridão do outro
é obra da mais fina arte.

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