quinta-feira, 20 de maio de 2010

A estética do frio

Estou com medo de ser uma anomalia. Nascido nos trópicos, acostumado ao clima de uma parte de Minas Gerais onde as baixas temperaturas são raras ao longo do ano, eu deveria ser um entusiasta dos dias ensolarados ou, quem sabe, até mesmo um fã ardoroso dos banhos de mar, essa permanente obsessão das pessoas nascidas longe do litoral. Mas eu neguei a raça. Ao contrário da maioria dos meus conterrâneos, prefiro o campo à praia e, se não fosse a pele bronzeada de algumas senhoras e senhoritas que por ventura cruzam meu caminho nas ruas (mas nada tenho contra as peles brancas, bem entendido), diria que coisa alguma me chama a atenção nos dias quentes. Meu negócio é com o tempo fechado. Tenho um caso de amor com o frio. Não me incomodo com os problemas decorrentes das baixas temperaturas. Pelo contrário. Nos dias de céu cinza e de cortante vento frio, fico invariavelmente bem disposto e bem humorado. Esse gosto chegou ao ponto de eu trocar uma viagem planejada a Portugal e Espanha, onde o frio não me parece suficiente, por uma incursão aos países da Escandinávia, que espero fazer logo. E chega às minhas preferências estéticas. Fazendo um retrospecto de meus gostos, cheguei à conclusão de que essa propensão ao frio talvez explique minha fascinação pelo cinema, a literatura e, sobretudo, a música nórdica. Nesta quinta-feira, por exemplo, em homenagem ao céu nublado, amanheci ao som do Concerto para Violino, de Sibelius. Agora, enquanto espero o almoço, vou seguindo no embalo de Grieg. E antes de me deitar, prometo a mim mesmo passar de novo os olhos pelos volumes de sagas islandesas que tenho em minha estante ou, se o sono não me encontrar antes, revisitar algumas páginas de Strindberg ou Kierkegaard, este último uma de minhas obsessões recorrentes. Se sobrar tempo e ânimo após um dia intenso de trabalho, vou pôr na TV um filme de Lasse Hallstrom — de preferência, Minha Vida de Cachorro, de 1985, que acho belíssimo — ou de Erik Gustavson, que fez O Telegrafista, uma das minhas produções prediletas, como já disse antes. É possível, admito, que essa inclinação seja uma anomalia para alguém que vive boa parte do ano sob o sol. Pois que seja. Não faz mal. Que viva a estética do frio.

2 comentários:

Mariah disse...

fora o fato de que...
botas de bico fino são mais sensuais que chinelos havaiana.
cachecol é mais bonito que blusa regata.
casaco de couro mil vezes mais sofisticado que guarda sol.
vinho tinto...ah o vinho tinto.
salve o inverno.

Helô Müller disse...

Um friozinho na "medida certa" ( de cada um, é claro! rs ) desperta a libido... rs Afinal nada como o calor de uma lareira, deliciando-se com generosos goles de vinho tinto!
"Mim" gosta muito... rs
Beijo, Márcio, e saiba que sempre é um prazer inenarrável, ler vc! ( com frio ou sem frio... )
Helô