Duas horas lendo jornais me deram uma leve dor de cabeça, curada com a velha e boa Neosaldina, e me levaram de volta à constatação: essa mania de realismo ainda vai nos estragar. Ela é difundida pelos arautos da realidade, a começar pelos que produzem o noticiário. É preocupante ver tanta gente na mídia empenhada apenas em transcrever os fatos, esquecendo-se de que o que ainda não existe muitas vezes é o que mais importa. O Ocidente abandonou cedo demais as lições dos poetas românticos do século XIX a respeito da imaginação. Em nome de um realismo que funciona quase sempre como mero espelho da natureza, permitiu-se, entre outras coisas, que a literatura fosse engolida pelo jornalismo. É urgente um neo-romantismo que inverta as coisas e faça com que o jornalismo seja inspirado pelas possibilidades contidas na literatura. Quando isso ocorrer e tivermos tanto espaço para a leitura da realidade quanto para a discussão de como ela pode ser modelada, a imaginação terá sido posta no seu devido lugar: o lugar de guia e mestre de todos aqueles que não se contentam em olhar o mundo e querem também atuar sobre ele para transformá-lo de algum modo, fazendo do real um ponto de partida e não de chegada. Quando falta imaginação, sobra reverência aos fatos e sobrevêm a gravidade e a solenidade naqueles que, por se sentirem mais próximos de uma suposta essência do real, perdem a capacidade de brincar com os fatos e pensar que eles, afinal, poderiam ser diferentes. Contra essa seriedade fatual que termina por nos dar um ar mais pesado, ao invés de nos deixar mais leves, é conveniente invocar Nietzsche, que fez colocar em sua casa, acima da porta, a inscrição que serve de epígrafe à sua Gaia Ciência:
Moro em minha própria casa.
Nunca imitei ninguém,
E rio de todos os mestres
Que nunca riram de si também.
1 comentários:
Realmente a leitura dos jornais no mundo de hoje, nos traz um peso enorme sobre as costas, além de algumas solenes rugas dentre as sobrancelhas !! rs Só mesmo uma aplicação de botox pra aliviá-las ! ( apesar de ainda não ter lançado mão deste recurso, tenho pensado "about", confesso! rs) A tal da dura e crua realidade tão bem colocada por vc, nos traz um desânimo contagiante e parece que nada nos resta fazer, que não seja nos atirarmos da ponte !! rs
Transcrevo o momento que considero mais relevante e extremamente feliz, em seu texto:
... "tivermos tanto espaço para a leitura da realidade quanto para a discussão de como ela pode ser modelada, a imaginação terá sido posta no seu devido lugar: o lugar de guia e mestre de todos aqueles que não se contentam em olhar o mundo e querem também atuar sobre ele para transformá-lo de algum modo, fazendo do real um ponto de partida e não de chegada"...
Achei esta sua colocação, simplesmente perfeita, e confesso que ainda não havia pensado sobre isso de uma forma tão clara e simplista, como vc nos passou!
É exatamente este tipo de motivação que nos traz a esperança e a vontade de que AINDA há algo que possamos fazer pra que tenhamos dias melhores, e vislumbrarmos melhores saídas, sem que cheguemos ao final da leitura como indivíduos derrotados e totalmente inoperantes frente a tão cruel realidade... Sem que façamos uso de nossa imaginação, como encontrarmos as melhores saídas ??
Há uma grande diferença entre um fato consumado e um fato a ser vislumbrado sobre outra perspectiva, plena de esperança e novas possibilidades !
Espero que tenha pego o âmago do que tentou nos passar, mas pelo menos foi o que ficou pra mim, e isto creio já ser válido sim !
Helô
P.s. já estou como sua seguidora e já linkei o seu Blog na minha lista de seguidores em minha página! E fiz isto com o maior prazer...
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