A serenidade de caminhar à beira do abismo
Tive apenas uma oportunidade de ver e ouvir de perto o vice-presidente da República José Alencar. As notícias que eu tinha dele até então eram as que qualquer cidadão poderia obter lendo jornais: tratava-se de um empresário muito bem sucedido que ingressara na política. Vendo-o e ouvindo-o, percebi qualidades como a franqueza, a simpatia e a capacidade de usar bem as palavras e colocá-las a serviço das causas que defende. Não suspeitei de que naquele homem já grisalho estivesse contida uma coragem diante do câncer que iria assombrar e dar exemplo ao país.
Agora aí está Alencar, enfrentando a doença grave de modo mais corajoso do que a maioria de nós enfrenta um resfriado. Trabalha, interrompe o trabalho para se tratar e, quando se pensa que vai se retirar da cena em definitivo por absoluta incapacidade física, retoma suas atividades e assume a presidência na ausência do titular. Perguntado, diz que não lhe cabe fixar a hora da própria morte e que o que pode fazer é aproveitar todos os minutos de que dispõe. E vai tomando providências a partir de seu gabinete em Brasília, de seu escritório em Minas Gerais, de suas empresas espalhadas por vários lugares.
O conhecimento científico disponível prevê para Alencar pouco tempo de vida. É possível que esse pouco receba algum acréscimo por conta de sua extraordinária vontade de viver. Mas Alencar não precisa de nenhum dia a mais de vida para nos deixar sua última e definitiva obra: um exemplo de compreensão da vida e da morte que é corajoso, digno, altivo, sereno, sábio. Os últimos anos têm sido uma aula dele aos que lutam com seus sofrimentos nesta brevíssima e valiosíssima passagem pela terra a que chamamos vida.
Toda essa coragem, toda essa capacidade de viver sabendo que ali adiante está o limite têm algo de um desafio à morte, na medida em que projetam um feixe de luz que ficará gravado na memória histórica. Pensando sobre Alencar, o destemido, fui reconduzido aos versos do grande Jonh Donne (1572-1631), ícone do barroco inglês que, com as palavras abaixo e muitas outras, corajosas como as do vice-presidente, ganhou lugar entre aqueles que consideramos imortais. Ei-las, numa de suas mais belas elegias:
"Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem
Poderosa, temível, pois não és assim,
Pobre morte: não poderás matar-me a mim,
E os que presumes que derrubaste, não morrem.
Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem
Dar prazer, quem sabe mais nos darás?
Enfim, descansar corpos, liberar almas, é ruim?
Por isso, cedo os melhores homens te escolhem.
És escrava do fado, de reis, do suicida;
Com guerras, veneno, doença hás de conviver;
Ópios e mágicas também têm teu poder de fazer dormir.
E te inflas envaidecida? Após curto sono, acorda eterno o que jaz,
E a morte já não é; morte, tu morrerás".
(John Donne)
4 comentários:
Marcio: ele tem se mostrado forte...apesar de que eu acho que seria mais bravo se estivesse se submetendoa os cuidado do SUS...que anda um perigo !!!
Um Domingo de muita paz pra vc meu querido amigo...Bjus mil!!!
Os mistérios da morte...sempre assustaram a todos nós...mas ao mesmo tempo intrigam...e inspiram poesias e mais poesias...tal e qual os mistérios infindáveis do amor...ah o amor...esse sentimento por vezes tão estranho...arrebatador ou simples!!!
Marcio, é sempre interessante observar, como você faz. Estou aqui no Sul, com muito frio e tomando um bom vinho chileno. Desejo a você uma ótima semana!
Junho chegando...
Beijo
Carpe Diem!
Belos versos sobre a morte. Infelizmente, a sociedade não está e creio que nunca estará pronta para enfrentar a morte. Nem todos enfrentam uma doença dessa forma. Alguns morrem ao saber que estão doentes. Outros, lutam. Eu admiro os que conseguem continuar acreditando que uma doença, mesmo sendo grave, não seja o fim.
Postar um comentário