sábado, 16 de maio de 2009

Música feita de palavras


Bach: mestre de si mesmo
A tarde foi dedicada a Bach. O repertório do meu pequeno festival doméstico teve a suíte nº 3, incluindo a Aria na Quarta Corda, o Magnificat e dois concertos para teclado e orquestra, em fá menor e sol menor. Algumas passagens são tão sublimes que me levam a pensar no que terá inspirado o compositor ao escrevê-las.
Em Bach, toda a produção tem um nível altíssimo. Não há desníveis de qualidade entre as fases do compositor. Em cada peça, nada sobra e nada falta. Tem-se a impressão de que uma frase musical se liga à outra por decorrência lógica, formando todas elas um conjunto de impressionante coesão, harmonia e beleza.
Bach sabia a medida certa em que a tradição e o experimentalismo devem ser misturados para produzir algo novo. Conhecia todos os recursos de criação disponíveis à sua época e inventou outros, para produzir efeitos que ainda não existiam em seu tempo. Bach encanta fazendo o que quer, sem se render ao gosto médio.
Nele, o popular não confronta o erudito. O ouvinte leigo achará beleza em cada peça, mesmo que não a possa explicar tecnicamente, e o especialista verá a técnica apuradíssima empregada na busca do belo. E qualquer peça será sempre surpreendente, ainda que analisada pela milésima vez, pois há muitos Bach dentro de um só.
Uma medida da estatura artística de Bach está no fato de que ele se encontra sozinho no patamar que atingiu. Em sua arte, é líder inconteste de todas as listas de criadores mais importantes do Ocidente, o que não ocorre nas demais artes. Na literatura, por exemplo, muitos autores vêm tentando ser Bach.
Mas o pódio é polêmico nas letras. Nem mesmo as obras de Shakespeare chegaram ao nível de unanimidade atingido por Bach, que, a despeito disso, permanece um exemplo para os criadores de todos os tempos. Que escritor não almeja controle total dos recursos de criação? E qual não deseja unir, com naturalidade, o velho e o novo?
No fundo, o sonho de muitos autores tidos como sérios da tradição ocidental não é outro senão fazer música com palavras. Uma música que pareça inspirada diretamente por anjos enviados por Deus e que seja profunda e ampla em seus vários aspectos e se mostre tanto mais rica e bela quanto mais é analisada.

0 comentários: