quarta-feira, 29 de abril de 2009

Exercício de Impressionismo nº 3


A Teologia dos Telhados
Há uma humildade evangélica nos telhados. Deve-se a eles o fato de as casas serem abrigos seguros. É contra eles que se volta a força causticante do Sol, percebida apenas como calor por quem está embaixo, no conforto dos cômodos. Dia após dia, por anos ou mesmo décadas, os telhados resistem impassíveis aos raios solares. Com a mesma impassividade, combatem as borrascas que, pela força do vento e da água, ameaçam arrancar-lhes telhas e desfigurá-los. Cada tempestade é uma guerra sem expectadores travada contra a fúria da natureza, e os telhados quase sempre vencem.
É somente quando se descobre uma casa, para reforma ou ampliação, que aparecem, por curto período, os soldados desse exército silencioso, que são as vigas, as traves e tábuas de sustentação, além de fios, chaves de força, canos e da geralmente oculta caixa d'água, fonte de vida da casa. O ano inteiro os telhados estão lá, inabaláveis no propósito de proteger a construção. Não reclamam bela pintura, como as paredes, nem fazem questão de ser iluminados, como os pisos. Apenas cumprem seu papel e se dão por satisfeitos por serem amigos fraternos dos gatos, dos passarinhos, das estrelas e da Lua.
Às vezes, os telhados têm a ventura de ser esquecidos por algum tempo pelos proprietários da casa que protegem. Quando isso ocorre, a chuva e o Sol se juntam ao musgo para produzir arte abstrata nas telhas, que ganham os mais diferentes padrões gráficos. Outras vezes, beneficiados por esse mesmo esquecimento, os telhados se associam aos pardais e outros pássaros para cultivar raminhos nos beirais e outros pontos em que é possível depositar terra. Nasce então um jardim suspenso em miniatura que ondula ao vento e mostra ao restante da natureza que a casa está feliz.

2 comentários:

Letícia disse...

Muito interessante. Você é um detalhista. Tem gente que nem sabe de que serve um telhado e você escreve a respeito dos telhados e faz uma análise meio que poética de um simples detalhe aos olhos de quem não se impressiona com as coisas mais rotineiras e cheias de beleza.

Da forma como você descreveu, amo mais o telhado de minha casa.

Lia Noronha disse...

Márcio: vc fez uma feli associação...literalmente ...quando ficamos sem fé...a casa cai...bem na nossa cabeça!
Uma tarde de paz pra ti.
Abraços carinhosos