sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Auto-retrato sem retoques ou O escrevedor visto por si mesmo na terceira pessoa


É da safra de novembro de 1972.
Aprecia comida caseira.
Definitivamene, não sabe cozinhar,
Embora seja bom lavador de pratos.
É amigo do vinho e propenso a excessos.
Nunca fumou e faz acirrada campanha
Contra o fumo, que lhe irrita.
Gasta um bom tempo olhando estrelas
Ou árvores que encontra pelo caminho.
Alegra-se com ninharias
E sente uma ponta de orgulho por isso.
É desorganizado com roupas.
Levanta-se cedo; às vezes tem insônia.
Gosta de todas as crianças,
Inclusive as dos outros
E as que dão birra de vez em quando.
Prefere não deixar nada para depois,
E está quase sempre atrasado.
Costuma meter o bedelho
Em assuntos de interesse público.
Não foge de polêmicas, mesmo acirradas.
Prefere errar com ideias próprias
A acertar com fórmulas prontas.
Gosta bem mais de dar presentes
Do que de recebê-los.
Mas não se ofende, fique claro,
Se por acaso resolvem presenteá-lo.
Não sente medo do escuro
Nem de ficar a sós com seus pensamentos.
Cursou a escola da dor e a do prazer,
E é bem possível que no cômputo final,
Tenha mais erros do que acertos.
Mas não se irrita com isso,
Pois sabe que a história não chega ao fim
Enquanto está sendo escrita.

2 comentários:

Letícia disse...

Este é um recado de que rótulos de nada servem. Quem disse que isso não pode ser também aquilo? Grandes escritores ou artistas podem ser arte e também lúcidos. Já que dizem que a arte retira a lucidez e ainda faz do artista aquele que vive do que não é real. O Quintana também defendia a contradição como primeiro aspecto do ser que elabora e entra no processo de produção textual. Ele se referia aos poetas. Eu acho que a contradição é a verdade. Não há como seguir um caminho sem olhar para os lados e ver outras perspectivas.

Gabi disse...

O escritor esqueceu de dizer "ótimo pai, nas horas vagas... e nas não vagas também." Te amo, saudades.