quinta-feira, 30 de abril de 2009

Humildade e treino não fazem mal à literatura


Do chuveiro à ópera: um salto perigoso
A blogosfera brasileira surgiu sob a inspiração dos diários virtuais em que pessoas dos mais diferentes perfis se dispunham a passar a vida a limpo, num movimento de valorização da subjetividade cotidiana que produziu páginas memoráveis pela inteligência e a sensibilidade. Um giro rápido feito nos últimos dias mostrou-me que está ocorrendo algo diverso agora: os diários virtuais propriamente ditos sumiram ou foram substituídos por páginas de poesias, contos e, mais raramente, crônicas e textos de opinião, tudo feito com um ar muito sério.
Repetinamente, muitos autores de diários virtuais viraram poetas e/ou contistas que postam na rede, a cada semana, uma torrente lírica e ficcional. Nada contra isso, que é uma inclinação normal e até positiva na trajetória do interesse literário em meio virtual. Mas estão fazendo falta à blogosfera brasileira mais cultores daquele clima de leveza e despretensão que os bons diários trazem consigo e que Italo Calvino (no seu "Seis Propostas para o Próximo Milênio", leitura fundamental para blogueiros) diz ser a marca da melhor literatura no século XXI.
Para os iniciantes que querem persistir na construção de uma vivência literária, essa troca nem sempre é favorável. Enquanto o diário permite uma liberdade ampla de temas e formas, importante como exercício (escrever bem, como qualquer outra ação, é o resultado de treino, treino e treino, acompanhado de reflexão), poemas e contos dignos do nome exigem muita técnica de seus cultores. Assim, por exemplo, começar pela poesia, o mais difícil dos gêneros, é algo como sair das canções entoadas no chuveiro direto para uma apresentação de ópera.
Além do mais, um bom diário virtual não tem regras, a não ser as que seu autor deseja. Já um bom poema ou conto seguem lógicas de estruturação próprias aos gêneros. Se o autor virtual quer exercer seu direito incontestável de postar o que bem entende, sem se preocupar com avaliações críticas, tudo bem. Mas, se ele deseja ser visto como escritor e construir frases como "Eu e Fernando Pessoa tematizamos a identidade" ou "Eu e Machado de Assis exploramos a ironia", talvez valha a pena pensar a sério em abrir um diário e treinar.

7 comentários:

Letícia disse...

Concordo. Concordo mesmo. Há alguns dias você escreveu algo sobre futebol. Eu disse que nada sabia a respeito de futebol. Agora digo que, na questão Poesia, sou um pato perdido na lagoa. Não sei de nada. Não escrevo pra não sair do meu limite. Porque temos limitações. Acredito nisso. Uma pessoa pode ser boa em pintar paredes, mas isso não quer dizer que ela pintará um bom quadro. E em relação a praticar, também concordo. Cantar no chuveiro é como pegar um caderno e escrever ou usar o pc... e sair ensaiando como essas bandas de garagem ainda fazem. Seus textos sempre me ajudam.

Um abraço, Márcio.

mariza lourenço disse...

taí, professor, agora o senhor cutucou o calcanhar de Aquiles, porque se, nos primórdios de criação dos blogues, o objetivo era a oportunidade de lançarmos virtualmente nossos diários, nossas impressões cotidianas, o leque foi aberto em favor daqueles que, além, de suas impressões, também desejavam cantar fora de seus respectivos banheiros. e a tal democracia virtual, e a tal liberdade de expressão, e o tal anonimato, acabaram por encorajar aqueles também que sem o mínimo critério literário, desprovidos dos necessários e rudimentares conhecimentos, formassem um coro desafinado. mas como nem tudo é ruim, salvaram-se e salvam-se aqueles que desejam aprender sempre, ainda que não escrevam bem ou que façam de seus blogues campos de treinamento.
não estou sendo crítica, e nem poderia sê-lo, já que meu blogue não é um diário e eu, na modesta condição de cantora de banheiro, luto constantemente para não desafinar além do permitido.
acho, sinceramente, que espaço existe para tudo e todos. o que me incomoda demais é que os tomadores de espaço sejam tão pretensiosos a ponto de dispensarem uma boa auto-crítica toda as vezes em que abrem seus editores de textos para escreverem seus versos ou contos. mas como a opção de lê-los é sempre nossa, meu incômodo é passageiro e substituido rapidamente pelo alívio de poder fechar a página em meu navegador.

bom texto, Márcio.

Sueli Maia (Mai) disse...

Bem,

estou diante de tres feras da escrita.
Ainda bem que a net me protege o ceu que me protege é a virtualidade então não estamos no coliseu e, mesmo diante de tres Mestres, eu que sou uma cantora de chuveiro e uma viajante, peço licença para expor meu pensamento.

Se eu compreendi o seu texto corretamente, preciso dizer que tenho uma visão diferente, sabe?

É assim:
Sempre haverá este tipo de questionamento. Sobretudo por parte de quem é douto e sabe bem o que ler, onde ler e, naquilo que lê, compreende forma, conteúdo métrica e todos os conceitos e técnica para fazer o melhor que há.

Perfeito!

Mas a net é um lugar público.
E penso que temos a tendência de tentar normatizar tudo.
Eu sou um exemplo de alguém que escreve sm qualquer pretensão. Mais que isto eu sou uma cretina metida a besta porque ainda pergunto ao amigo que é docente como vê o que eu escrevo. Imagina o topete da pessoa?

Então eu escrevo livremente
e as vezes presta
as vezes é a maior M - M intestinal, mesmo.
E me faz um bem absurdo.
Porque na escrita eu tenho momentos de felicidade. Paz.

Não sei se os espaços me fossem restritos como eu faria
Porque em um minuto eu sinto a vontade de escrever uma crônica.
Noutra um texto poético. Não fiz letras mas gosto de ler. Amo as palavras. Trabalho com a palavra.
Preciso escrever
Isto é vital prá mim.

Se alguém dissesse prá mim
Olha Mai
A partir de hj eu recomendaria que você só escrevesse poesia, eu me sentiria medicada
com um rigor absurdo
Me sentiria com uma camisa de forças.

Se alguém dissesse - olha agora só escreve assim e assim...
Isto para mim seria o mesmo que dizer da UTILIDADE das coisas.
E eu escrevo bobagens...
Mas para mim
é meu Prosac.
É meu vinho.
É minh endorfina.

Mas vou pensar em tudo isto
Primeiro se compreendi o que foi discutido entre vocês e o texto.
Depois sobre a pertinência de rever o que eu comentei.

De qualquer modo, aqui sempre se escreve o que há de melhor.
E eu estava sumida mas estive no departamento médico, mesmo.
fata justificada.

Carinho e respeito,

Mai
(uma escritora de banheiro?
Ou uma cantora de livraria?)

Luiz Alberto Machado disse...

Maravilha!!!
Indicarei nas minhas páginas!!!
Abração & tataritaritatá!!!!
www.luizalbertomachado.com.br

Dilberto L. Rosa disse...

Gostei muito de "A Teologia dos Telhados", de sua entrevista no 'site' da Layla e concordo plenamente com a pseudo-arrogância de certos principiantes literários em não saber direito onde pisam, neste mundo caótico em que se tornou a blogosfera... Relmente, pouca coisa se salva... Tenhamos fé na Língua e em seus exercícios e treinos. Abraço e até a volta.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

... um monte de abobrinhas no comentário anterior, e depois de uma leitura minuciosa, humildemente, excluiu o comentário, por total falta de treino.
Desculpas!