segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A arte perdida de reinventar o mundo


Um passeio na tarde de carnaval
Ísis, minha amiga de infância, está de visita por aqui. Chegou hoje com os pais, encontrou-me na cama e quis logo que eu me levantasse. No começo da tarde, decidiu levar-me à sorveteria. Na volta, depois de uma vaca preta de ameixa, ela interrompeu uma convincente explicação que me dava a respeito da superioridade dos balões vermelhos sobre os demais e parou para observar um grupo de pessoas que se dirigia ao centro da cidade.
Com a esperteza das garotas decididas de 3 anos de idade, que sabem muito bem o que querem, Ísis só olha o que é digno de atenção. Por isso eu próprio olhei na mesma direção, já sabendo que ali haveria algo significativo. E vi, entre os passantes, uma pequena Emília com suas tranças e sua roupa de retalhos coloridos, provavelmente à espera da matinê carnavalesca.
Foi impossível não me lembrar daquela boneca famosa na minha infância e do sítio em que ela vivia na companhia de uma família bastante diferente. Igualmente impossível não me lembrar da confusão que essa filha de Monteiro Lobato me fez passar nos tempos em que o Pica-Pau Amarelo era o assunto dominante na escola.
Estávamos no pátio um dia, eu e um grupo de colegas na casa dos 7 anos, todos envolvidos numa discussão acalorada sobre o programa de TV. Um dos colegas era impiedosamente malhado por ter tido, até alguns dias antes, um medo da Cuca e do Saci-Pererê que não conseguia disfarçar de modo nenhum.
Não tive esse problema. Sempre achei que a Cuca não era tão má quanto conjecturavam meus amigos. Já o Saci era obviamente bom: só queria fumar cachimbo e brincar. Meu embaraço tinha outra razão: enquanto todos os garotos idolatravam Pedrinho, com sua infatigável disposição de aventuras, eu era fã não declarado de Emília. Mas como dizer isso a meus amigos sem me transformar em motivo de riso?
Não encontrei modo de fazê-lo e preferi fugir às discussões. Silenciosamente, mantive-me fiel à minha admiração por Emília. Nada tinha contra Pedrinho e até admirava suas aventuras e seu estilingue feito com uma forquilha de verdade, enquanto os meus eram de plástico pré-fabricado e não tinham aquele ar de coisa do campo.
Mas era de Emília que eu gostava, como amiga ideal. Ela tinha algo que me encantava: estava sempre insatisfeita, sempre em busca de novidades, sempre imaginando coisas e encontrando mágica na natureza. Pedrinho era corajoso, e eu gostava da coragem. Mas Emília era diferente. Só ela assumia sua vontade de reinventar o mundo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Não lembro a idade que eu tinha mas, confesso que morria de medo da Cuca! Quando começava a aparecer aquela fumacinha e a música da Cuca tocava eu saía correndo da sala. Bons tempos!

mariza lourenço disse...

eu gostava mesmo era do marquês de rabicó, com aquele jeitinho assustado dele. todo frágil e medroso. a malvada da Emília fazia o pobre de gato e sapato. e eu achei bem-feito quando ele fugiu após o casamento... hehehe.
e o pó de pirlim-pim-pim, então? eu era doida pra ter um pó daquele pra mim.

Sueli Maia (Mai) disse...

E reinventar o carnaval e o teu dia foi o que conseguiu essa criança, que te tomou pelas mãos e levou-te a ver balões vermelhos se sobreporem aos demais...

...
Lindo isso.