quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Sobre cabelos tingidos e capinhas coloridas para botijões de gás


Uma sub-espécie peculiar: o homo sapiens light
Cada macaco (e cada descendente de macaco) no seu galho é um dos meus ditados prediletos. Lembrei-me dele ontem, quando me fizeram uma pergunta que não esperava: queriam saber se vou pintar os cabelos e camuflar os fios brancos, que há algum tempo vêm povoando minha cabeça e que agora se tornaram maioria democrática.
Se não tivesse dado categória resposta negativa, penso que as perguntas iriam continuar. Por certo iriam querer saber se eu contrato manicures para retirar cutículas, se faço depilação da barriga com cera quente, se uso esfoliante, se vou ao salão para modelar as sobrancelhas e coisas do gênero. É possível até que quisessem saber se durmo de touca.
Estou convencido de que homens que tingem os cabelos brancos pertencem, filosoficamente falando, à mesma categoria dos que tiram cutícula, modelam sobrancelhas, passam esfoliante na pele para retirar células mortas, usam cacau nos lábios quando está frio e acham normal dormir de touca. Podem até não fazer tais coisas, mas têm, eu garanto, uma tendência não desprezível a fazê-las, como se fosse algo latente, virtual.
Também acredito que esses senhores tendem a vários outros hábitos e características peculiares, como sentir falta de um conjunto de xícaras com desenho de patinhos na cozinha, de uma capinha colorida para o botijão de gás e de um tapete com motivos florais no banheiro. Aliás, o que é sintomático, tendem a se sentir muito confortáveis fazendo sentadinhos e comportados suas necessidades fisiológicas líquidas.
Naturalmente, respeito os hábitos desses espécimes de homo sapiens light e reconheço sua profunda necessidade de tirar cutículas e escolher uma capinha colorida para o botijão ou um conjunto de xícaras com patinhos para a cozinha. Mas o galho que ocupo na árvore biológica das espécies de hominídeos não é esse. Por isso — e pelo fato de não me sentir mal com fios brancos — não vou pintar os cabelos. Definitivamente, não.
Em tempo: depois de publicado o post, lembrei que há uma forma infalível de distinguir os homens comuns dos homo sapiens light: são os feriados prolongados e as férias. Nós, descendentes comuns de Adão, achamos normal e até reconfortante uma barba ligeiramente crescida nesses períodos. Afinal, não há rosto que não se ressinta da ditadura prussiana da gilete diária. Com o homo sapiens light, é diferente. Mesmo que esteja de férias por três meses numa cabana isolada e sem ninguém ao lado, ele se horroriza ao chegar ao espelho e dar de cara com uma inocente barba de três dias.

4 comentários:

Letícia disse...

Lembrei de dois filmes: Tootsie e o Náufrago. Usar toca pra dormir e a barba crescendo por dias. Acho que tudo ainda é rótulo, mas também não condeno homens que agora são metro não sei o quê. Mas acho esquisito. E pintar cabelos é bem comum. Acho que não seria um absurdo.

mariza lourenço disse...

ai, Márcio, ri demais com seu texto, porque me fez lembrar de meu tio-avô Waldemar, que Deus o tenha. não sei se você se recorda quando surgiu na praça o tal do 'interlace' (acho que se escreve dessa maneira, não sei). pois bem, 9 entre 10 homens calvos aderiram à moda e meu tio-avô não foi exceção. enfim, pra encurtar a conversa, eis que um dia tio Waldemar aparece em minha casa de interlace novinho, tinto de acaju. uma coisa horrenda. e pra piorar, acho que o coitadinho sentia calor, volta e meia levantava a peruquinha pra coçar a cabeça.

particularmente, prefiro homens de cabelos grisalhos, mas, atualmente, com as novas técnicas de tintura, alguns ficam bem bonitinhos com suas luzes e reflexos... hehehehe.

mas, capinha de botijão, faça-me o favor, toda xadrezinha com barrado branco... (rindo demais). é muito chique.

adorei o texto.

Fernanda Rocha Mesquita disse...

Fantástico este texto! A verdade acompanhada de um certo humor. Parabens... comecei bem o dia.
Pessoalmente prefiro cabelos grisalhos a um rosto de mais idade, enfeitado de cabelos pintados. A beleza está na simplicidade e naturalidade das coisas. Respeito a vontade de cada um, mas hoje em dia olhamos para alguma as pessoas e já não sabemos quem elas são. Penso que por vezes nem elas se lembram qual a história que carregam.

Letícia disse...

Deixei um selo pra vc no afeto. Quando tiver tempo... passa por lá.

Bjs.